Miniconto: Memória – Música: Victor Heredia, Nito Mestre & Leon Gieco

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Não guarda descanso. Acumula silenciosa, ao longo dos invernos, as provisões para os dias sem  sol. Guarda paciente o chamado escondido em algum porão da imagem. Não vive mais atenta, é despertada até ser esquecida. Como uma vertigem, troca de forma, penetra mais para dentro do dentro da chama até perder a luz. As distâncias e as idades desencontram-se em alguma parte do caminho e então tudo passa a ser sonho. Os sentidos são revistos, passados a limpo como um rito de passagem. Nesses dias, as estações balançam, encobrem suas ferrugens. O tempo não para e não há mais retorno. Os sinais chegam aos ossos, escorrem pela carne sentindo a ardência do sal. Os cascos continuam rebeldes. Os potros esticam a corda até encontrarem a liberdade. No pampa, a memória é uma morada abatida pelo vento da palavra e pelo tempo. Talvez nessa quase noite quebre o silêncio e assim como veio desapareça, levando as palavras coaguladas do destino que coube viver. Os campos não são mais os mesmos. Apenas histórias que passam de voz em voz através das memórias e de tênues lumes sobreviventes do que um dia foi e que sempre desejou ser realidade. (Dedicado à memória do meu pai, Mário Rossano.)

 

Foto: Chronosfer – Bento Gonçalves/RS

Yes : The Yes Album

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Um álbum pisciano – março de 1971 a data de sua vinda  ao mundo. Talvez o melhor de todos os outros gravados pelo Yes. Tem, com certeza, sua melhor formação: Jon Anderson (vocais e percussão), Chris Squire (baixo e vocais), Steve Howe (guitarra, violão e vocais), Tony Kaye (piano, órgão) e Bill Bruford (bateria). Seu nascimento estava previsto para o outono do ano anterior, mas nada deu certo. As canções, os arranjos, a saída do guitarrista Peter Banks e a pressão maior. O mundo do lado de fora recebia com apreensão a guerra entre a Índia e o Paquistão. Um cenário triste. O grupo ensaiou à exaustão cada composição, a chegada de Howe deu novo ânimo, e de repente as harmonias, os vocais, as conjunções todas passaram a conspirar a favor do Yes. De um rio passaram a mar com naturalidade. E o virtuosismo de cada um foi se revelando com mais espaço e as sensibilidades ultrapassaram os limites da pele. O rock progressivo ganhara um disco soberbo, com mudanças de ritmos, clima e estilo, vocais envolventes e a guitarra de Steve acaricia cada melodia de forma inexplicável. Uma força inevitável no Yes fez a transformação. E quem ganha somos nós. O disco é atual, presente, denso, caudaloso do seu melhor significado e sentido e nos abraça, olhando para dentro de nós. Um disco que rompe com todas as distâncias e é referência em qualquer lugar do mundo. Não esqueça: The Yes Album.

Miniconto: Luther – Música: Lô Borges, Al Di Meola, Madredeus, Neil Young, Leonard Cohen…

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Não há horizonte além dos olhos de Luther. A única linha que o separa da vida é a harmônica deslizando em seus lábios. Na textura do sopro, entranha-se o sol e as nuvens de poeira nublam as retinas. A pele da memória anoitece mais cedo. Os ossos da casa se desprendem e os estalos o acompanham como uma percussão.

Foto: Chronosfer: Vila Muñoz – Montevidéu.

Turfe: O amor pelos cavalos de corrida

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Hoje, um ano e três meses de ausência. A saudade é o sentimento que jamais abandona. E é ela que mantém a memória acesa para o que os olhos descansam. Há muito, ainda, dentro de mim. Ao rever seu depoimento feito anos antes, quando dos seus 80 anos – partiu com 82 – está a passagem que fez com que ele amasse os cavalos. E deles e com eles construiu a sua vida, a sua família. Abaixo, uma pequena parte do que disse com o brilho aguado do amor que alicerçou tudo o que viveu.

Rossano e cavalos

“Meu pai tinha cavalos de carroças e gostava de cancha reta. Nascido no Uruguai e de lá veio com uma tropa de cavalos para vender ao Exército. Veio, casou e ficou. No verão, a família ia para o Cassino pois na época era muito difícil conseguir emprego, então comprou um pedaço de terra e começou a vender leite e carne aos veranistas. Nasci no Cassino por isso, a família trabalhando e em dezembro, verão nasci. Em 41 minha mãe faleceu, e meu pai foi trabalhar no Swift, e eu e meus irmãos fomos para o colégio dos padres salesianos. O destino é caprichoso, eu já era apaixonado por cavalos. Meu pai teve um acidente, ficou muito tempo no hospital. E nós internos no colégio. Em um domingo que reservo ao destino, os padres nos levaram a passear, naqueles antigos bondes abertos, nos levaram ao prado da Vila São Miguel. Eu fiquei transtornado, não sei a expressão que digo. Desde sete, oito anos montava os cavalos lá nas retas do Cassino, olhei os cavalos, os jóqueis fardados e era assim, o número um era blusa branca, o dois vermelha, o três azul, o quatro amarela….fiquei ainda mais apaixonado. No dia seguinte, no momento da missa disse ao meu irmão mais velho, Antônio, que iria fugir. A porta abriu e saí. Fui em direção ao prado pela estrada do Coester, que existe até hoje, levei o dia inteiro caminhando para chegar. Vi uma casarão, na Vila Matadouro, que era uma cocheira, estava um rapaz trabalhando e entrei e pedi para trabalhar. Pelo meu tamanho não fui aceito, mas chegou um castelhano, que era treinador, Darci Casser, e disse que pela casa e comida poderia ficar. Fiquei. Limpava as cocheiras, esse tipo de trabalho. Em 42, minha irmã, coisa do destino mesmo, casou com um ex-jóquei e então treinador, Dirceu Antunes, que me empurrou ainda mais para o prado. Meu pai estava saindo do hospital e quando soube que havia fugido me levou de volta ao Cassino e retornei ao colégio. No verão daquele ano, um senhor chamado Luis Pelhos, representante da Vinícola Garibaldi, de Pelotas, e era amigo do meu pai me levou para lá – Pelotas – para sair do prado e estudar. Mas, antes de ir, eu andava nas cocheiras do Dirceu e um dia montei uma égua chamada Madresilva e fui até onde eram realizados os treinos e meu cunhado não gostou do treinamento dela e mandou a égua de volta para a cocheira. Esse o detalhe é extraordinário, mandou de volta a égua e ela voltou, eu gritando e quando chegamos o portão estava fechado e ela parou e eu cai. Ela abriu e entrou. No dia seguinte eu já estava levando os cavalos para caminhar na água, pois em Rio Grande é muito comum fazer isso para curar os boletos, os joelhos.

Em Pelotas, ia estudar não lembro se no Gonzaga ou Pelotense. Era época da guerra, e atiravam muitas pedras nas casas dos alemães, a gurizada fazia isso e eu entrava junto. Certo domingo, o senhor Luís nos levou a passear e vai justamente à Tablada. Estava me seguindo o prado. Na segunda pela manhã a esposa desse senhor me pediu para levar a correspondência para ele no escritório e no meio do caminho voltei. Era fevereiro ou março, ainda não havia começado as aulas e o que fiz: como tinha algum dinheiro no bolso, peguei o saco de roupas, hoje é a mochila, e fui para ferroviária. Não tinha trem, mas passaria um carro-motor vindo de Bagé às oito da noite. Fiquei o dia inteiro esperando. Quando cheguei, minha irmã quase enlouqueceu. Três ou quatro dias depois, meu pai foi visitar o neto recém-nascido e me levou de volta ao Cassino. E me disse que se eu quisesse ficar com os cavalos que fosse para o Chuí, onde havia uma fazenda de uns amigos dele. Pensei em fugir de novo, mas não foi possível, não lembro bem, mas a minha irmã chorou e acabei ficando nas cocheiras do senhor Miguel Pereira na Vila São Miguel. Já tinha treze anos quando o Dirceu, conhecido como Morcilhão, levou cavalos para correr em Pelotas. Fiquei em Rio Grande, até que um dia chega um senhor e me leva para correr cancha-reta, tiro livre, lá no Senandes. E ganhei. Foi a primeira corrida e a primeira vitória, mas não vale, era apenas cancha-reta. Um jóquei, Ademar Cunha, o Chilinga, resolveu inscrever uma égua que trabalhava todos os dias, Alfaciana, o peso era 44 kg e não tinha jóquei com menos peso e a minha irmã disse “bota o Maruca”, como me chamavam, e tirei a matrícula de aprendiz de terceira. Foi a primeira vez que montei. Isso foi em 44, ainda com doze anos, não tinha bota e pedi ao Dinarte, colega de trabalho, também aprendiz que me emprestou depois. Tem uma fotografia dessa primeira vez que montei e eu estava sem as botas. Minha primeira corrida oficial como jóquei em Rio Grande. Tudo era muito difícil, longe.”

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Todos os dias 26 de cada mês, a coluna “Das cocheiras do Stud Mario Rossano” estará presente com uma passagem da vida de Mário Rossano, cuja presença e exemplo permanecem intactos.

Miniconto: Horóscopo Harmônica & Música: Bob Dylan

Bob Dylan

Signo dos nascidos entre os dias 17 de fevereiro e 19 de março. Tem como característica principal a musicalidade. Sensíveis e criativos, vivem em mundos repletos de acordes e notas musicais, embora através da música possam expressar seus sentimentos. Pouco resistente à critica, o Harmônico, quase desiste quando não recebe elogios. Gosta da solidão, por isso relaciona-se apenas o necessário. No amor, é receptivo, pois é afetivo ao extremo. Seu melhor dia é sábado, quando todos saem e ele vai tocar em algum lugar. Sua cor é o branco, mas olha o azul com brilho nos olhos. Tem ascendente em Guitarra, que é o seu oposto. Às vezes, entram em conflito, ainda mais quando Guitarra comete alguns solos. O sol é em Piano, o que o torna mais suave com os tecladistas, naturalmente. A lua em Flauta mantém o equilíbrio. Com os flautistas é capaz de fazer grandes parcerias, desde que eles não tenham como ascendentes Baixo ou Bateria. Seu número é o cinco. Gosta de animais, o cavalo é o seu preferido. Partitura é o seu sistema solar. Se for homem, afinidades com Flauta, Saxofone e Piano. Se for mulher, com Violoncelo e Viola.

Quando estudei Criação Literária, as aulas tinham muito do que chamávamos “à queima roupa”, ou seja, o professor pedia um texto com determinado assunto para ser escrito naquele momento. Um dos exercícios, é esse acima: usar um instrumento musical como signo do horóscopo e escrever suas caraterísticas. Foi um exercício e tanto.