Adriana Calcanhotto: Loucura

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Ao longo de 2014, A Universidade Federal do Rio Grande do Sul desenvolveu mais uma edição do seu projeto UNIMÚSICA, com o tema Compositores – A cidade e a música. E lá apareceram preciosidades da música do sul do país interpretadas por gente como Chico César e Ná Ozetti, por exemplo. Shows de tirar o fôlego. Em 4 de dezembro, o calendário do projeto estava reservado à obra de Lupicínio Rodrigues. E a intérprete, Adriana Calcanhotto. Salão de Atos lotadíssimo, cenário que criava o ambiente da boemia porto-alegrense e músicos afiados. Lupi, mestre da dor de cotovelo, dos amores traídos, fracassados, do abandono e por aí suas composições foram consagradas, vem recebendo uma série quase infindável, e merecida, de leituras novas de sua obra. Se no show, o ambiente boêmio não ficou reproduzido como se desejava, o cd é completamente diferente. É completo em sua proposta e nos leva a estar em um desses lugares que a noite acolhe para o amor ou para suas desventuras. Adriana atravessa o mar de Lupicínio com suave dramaticidade, quando necessário, avança com outros gêneros para além das canções, e dá o tom certo a cada um das músicas do repertório. Contou com instrumentistas magníficos, e com a presença mágica do violão de Arthur Nestrovski e a gaita de Arthur de Faria. O grande senão e de uma infelicidade total da gravadora Sony Music, é ter colocado uma faixa bônus que quebra o encanto reproduzido do show. Fazer o quê? Melhor é entrar no espetáculo de Loucura e sentir que na verdade e bem lá no fundo Lupicínio é um mestre da composição que exalta o amor acima de tudo. Somente uma alma amorosa poderia compor como ele, o amor sempre.

As fotos do show são de Fernanda Villa-Lobos e Victória Vic.

Gillian Welch: Time (The Revelator)

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Ao ler uma crítica sobre o disco Time (The Revelator) em que o autor apenas afirmava que se trata de um disco de country, um disco de canções rurais, sombrio e que a autora é natural de Los Angeles e que isso poderia incomodar os mais puristas, ele logo arremata dizendo que não deveria incomodar. E tem razão Ross Fortune. É um trabalho sim com o gosto e o cheiro das montanhas, deliciosamente selvagem e perturbador e, sobretudo, belo. Gillian é autêntica em seu lento e suave tocar e sua voz parecer deslizar pelos campos da vida com toda a densidade de sua alma. Acompanhada por um guitarrista de primeira, David Rawlings, as canções fluem de tal maneira que pouco importa quando foi o ano do seu lançamento (2001), pois soa atual e sua riqueza transcende o tempo. A dupla enraíza ainda mais a música norte-américa em um levada poética onde as harmonias do violão casam à perfeição com as vocais de Welch e suas letras densas. Ross disse que Time “é um som profundo como uma mina e sombriamente escuro.” Assino junto com o crítico. Vale cada canção de Gillian o nosso tempo. (aqui, uma pequena coletânea com Gillian)

David Gray, Beth Orton, The Verve, Fleet Foxes & XTC

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Sexta-feira, começo do fim de semana, o inverno dando suas últimas escapadas pela manhã azulada de hoje, o sol chegando devagar, as ruas e seus movimentos, as pessoas e seus caminhares e a música como companheira das horas que ora correm ora descansam.

Fotografia: Chronosfer

Mercury Rev: Desert´s Songs

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O Mercury Rev fez um álbum de exceção. Em 1998. Desert´s Songs é daqueles discos em que as mesclas se entrelaçam e formam um conjunto de teias musicais quase perfeitas. Imagine-se que o folk passe junto ao jazz, um que de Pink Floyd, mais uma porção de eletrônico e letras e vocais que passam pela dor, pelo dramático e penetram com suavidade na beleza harmônica de suas texturas. Jonathan Donahue com suas letras e vocais atinge o grau máximo e as canções são de uma profundidade rara e essencial. Melhor que escrever sobre é ouvi-los. Dentro de cada harmonia um universo se abre continuamente.

Turfe: GP Protetora do Turfe 1957 – 1960: Moinhos de Vento e Cristal

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Hoje, um ano e quatro meses da partida do meu pai. Olho a foto acima, ele vencendo uma corrida com Simbólica no saudoso pradinho dos Moinhos de Vento e os redemoinhos da saudade chegam com força, abatendo o ânimo e desarmando a vontade do dia que começa no infinito do azul. A proximidade com setembro e o dia sete, logo chega com o segundo maior Grande Prêmio disputado no Rio Grande do Sul em pista de areia, o Protetora do Turfe. A história registra que tudo começou como Prado independência em 1894 para em 1907 ser denominado Associação Protetora do Turfe e mais tarde, dezembro de 1944 ser em definitivo Jockey Club do RS. Na realidade, o GP com o mesmo nome somente nasceu em 1922 e ainda assim com o nome de GP Centenário da Independência e era disputado na distância de 2.400 metros, depois se fixando em 2.200 metros até os dias de hoje.

50 anos GPPT

A vida de Mário Rossano e os cavalos de corrida são uma vida onde as linhas do tempo, quando se encontram, constroem outras linhas e vidas. Desde a vinda da sua portuária Rio Grande para Porto Alegre, do Hipódromo de Vila São Miguel para o carismático Moinhos de Vento, essas linhas se cruzaram com outra vida: o Hipódromo do Cristal. A História traz o romantismo dos anos 40, 50 e 60 em uma capital gaúcha ainda provinciana com ares de cosmopolita. Traz o quanto o jóquei Mário Rossano faz parte dessa história e o quanto sua ligação, não apenas com a cidade, com o Jockey Club do Rio Grande do Sul é também infinita. Não se resume a vencer a prova inaugural do novíssimo então prado do Cristal no já distante novembro de 1959, com um cavalo castanho que aos seis anos ainda não havia sido apresentado à vitória.

Dois anos antes, em 7 de setembro de 1957, a chuva impiedosa que caia não impediu que o então jovem freio levasse Dálmata a vencer o G.P. protetora do Turfe no ano em que a entidade completava seu cinquentenário. Um feito que as reproduções abaixo, incluindo a transcrição da prova, a tornam inesquecível e mostrava, mais uma vez, o talento de um piloto que quebrava a fama de ser apenas um jóquei que sabia correr como ponteiro.

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A História não poupou o rio-grandinho. A ida para o Cristal teve o carimbo da estreia do hipódromo e Duelo cruzar o disco em primeiro sob a sua monta. E ao passar o ano, encontrar mais uma vez o 7 de setembro, agora em 1960. Lord Chanel, um tordilho clássico e valente, rápido, teve em Mário Rossano seu jóquei no 1º GP Protetora do Turfe a ser disputado nas areias do Cristal. resultado: vitória. Feito que se repetiu em 1961.

Lord Chanel

A relação que existe entre Mário Rossano, Moinhos de Vento e Cristal é única. Indissociável. Hoje, ao olhar o material desses anos todos, o coração acelera, os olhos desaguam e as mão tremem. Nesta História, o lugar do Rossano, como era chamado pelos turfistas, está escrito e eternizado.

Reproduções: Jockey Club, Histórias de Porto Alegre – 2005 – Org. Mario Rozano e Ricardo Franco da Fonseca. Dá-lhe Rossano! – 2011 – Org. Mario Rozano.

Roger McGuinn & Gene Clark além dos The Byrds

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Em qualquer lista que se faça dos maiores do mundo em todos os tempos o nome dos Byrds está presente. Com justiça. Roger Guinn, Gene Clark, David Crosby e Chris Hilman possuíam uma alquimia única e transformadora inclusive dando às canções de Bob Dylan novas nuances. Inovadores, quando cada um ao seguir o seu caminho não conseguiram repetir o mesmo encantamento quando juntos. Se Crosby foi para o antológico Crosby, Stills, Nash & Young, McGuinn tocou com outros tantos e fez trabalhos solos apenas razoáveis, Hilman vez por outra aparecia com os outros dois como trio ou dupla com Roger, e Clark fez alguns discos geniais. Entre eles, No Other de 1974, cuja criatividade estava na pele do músico. Assim como White Light, este de pouco antes, 1971. Clark possuía um magnetismo próprio dos solitários e passava isso em suas performances. Já havia mencionado isso aqui em posts mais lá atrás, e em sua genialidade conseguiu criar um estilo e uma estética onde o acústico foi o caminho natural. Algumas canções com Roger e com os Byrds ou solo sempre são bem-vindas. Aproveitem sua sensibilidade.

The Waifs: Beautiful You

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O folk australiano já bateu às portas desta casa e entrou com o Angus e a Julia Stone. Não saíram mais, e frequentam os espaços por onde faço o meu caminhar. Agora, assim de repente chegam The Waifs.As irmãs Vikki Thorn (harmônica, guitar e vocal) e Donna Simpson (guitar, vocal) mais Josh Cunnigham (guitar e vocal) também formaram um trio com a essência do folk rock. A história é comum a tantos encontros que aqui e ali ao longo do tempo acontece e se desenvolve até se transformar em um grupo de densidade musical forte e de identidade. Claro que o universo folk se abre para as semelhanças e influências diversas, o que é algo que mais agrega e constrói que qualquer outra forma de comparação. E as semelhanças são positivas, pois os elementos harmônicos e vocais cumprem papel decisivo para que as tessituras que criam possam ganhar voos mais altos e distantes. O sétimo álbum dos Waifs, Beautiful You, possui essas características e se insere naquela música que a gente sente prazer e alegria em ouvir seja ao amanhecer seja ao anoitecer, quem sabe quando a tarde estiver longa demais. The Waifs, para se guardar e ouvir.

Willie Nelson: Stardust & American Classic

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Willie Nelson, para muitos, faz seu caminho pelo country. Por um competente e talentoso country. Não deixa de ser verdade. O texano de 82 anos, no entanto, desatou esse nó do gênero em 1978 ao gravar Stardust. O que poderia ser improvável, aconteceu. É um divisor de águas em sua carreira. Ao passar para o lado de lá de Nashville e se entranhar na linguagem do jazz, Nelson revelou ser um intérprete superior. E ainda mais ousado por colocar o nome de Hoagy Carmichael e Irving Berlin, por exemplo, com seus standards consagrados no universo do country norte-americano.  E como todo criador que ousa, partiu para experimentalismos no blues e no gospel. Além de incursões no cinema, e em outras expressões da cultura. Se Stardust já parecia distante, Willie volta à estrada dos clássicos. American Classic o coloca em um nível ainda mais denso e a presença de Norah Jones e Diana Krall consolida seu status no jazz. Com o jeito Willie Nelson de ser, naturalmente. O mais impressionante é a naturalidade com que movimenta e parece ser talhado ao jazz. Mais tarde, fez com Wynton Marsalis um disco à semelhança de American com resultado mais que positivo. Curioso é que Eric Clapton, de alguma forma, seguiu esse caminho com BB King, embora aí esteja o blues e o blues é Clapton, e com o próprio Marsalis e também com a mesma naturalidade. Talentos assim não possuem fronteiras. E nos mostram e ensinam o quanto nós também não devemos ficar fixados em rótulos e fantasias comerciais passageiras. Essa viagem com Nelson é magnífica.

Stray Birds: Best Medicine

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Um trio harmônico. É o mínimo que se pode dizer de Maya de Vitry, Oliver Craven e Charlie Muench. Os dois primeiros, compositores e tocam desde a acustc guitar, passando pelo banjo, violino, e outros mais instrumentos. O terceiro, é o baixo acústico. E os três cantam. Neles, desde a sua união em Lancaster, na Pensilvânia, há uma conjunção de influências que nascem das mais simples e tradicional das músicas e passa por Beatles, The Band e chega ao virtuosismo de Jimi Hendrix. A soma disso tudo pode ser dissolvido em um country folk? Pode ser. Para eles, o rótulo é o que menos importa. Para nós, também. O que realmente importa é que os três juntos formam harmonias melódicas e vocais magníficas e envolventes. Suas composições tanto podem estar um século lá atrás como podem estar um à frente, quando, na verdade, estão bem presentes entre nós. E é este presente que se traduz em um estilo que atravessa fronteiras. Como deve ser a música.

Foto capturada no http://www.thesouthern.com

The Who: Live at Leeds

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A eletricidade do The Who sempre foi única. Pete Townshend, Roger Daltrey, John Entwistle e Keith Moon formaram um quarteto para muito além daqueles anos sessenta. Suas apresentações ao vivo eram verdadeiras celebrações e é inesquecível sua participação no documentário sobre Woodstock, com Daltrey simplesmente extraordinário no vocal e toda uma rítmica comandada pelo baixo de John, com a força de Moon e a inquietude de uma guitarra exuberante de Pete. O Who foi uma banda ao vivo, seus álbuns de estúdio ficaram passos atrás, não que fossem fracos ou ruins, não, absolutamente não, apenas não reproduziam suas performances que se tornaram lendárias. Live at Leeds tem peças diversas, a começar por Tommy, e outras passagens de sua carreira e seus clássicos. Puro rock´n´roll. Nele, pérolas como “Young Man´s Blues”, e a poderosa e eterna “My generation”.  Se pararmos um pouco e Leeds chegar com toda a sua força vamos concluir que o heavy no rock passa pelo The Who. Ou começa com ele. Um disco indispensável, vibrante e marca definitivamente uma época para quem a viveu e para quem não conhece a oportunidade de vive-la em pouca mais de duas alucinantes horas. Vale cada segundo.

Foto: capturada no http://www.nomundogrove.com.br