Conto: João Baptista

ferandorozano

Atrás das lentes dos óculos, João Baptista recebe pequenos fachos da luz do sol. Pelas frestas de vidro, seu mundo é como um fio de naylon, em cujas fibras se entranha o presente. Naqueles espaços medidos em milímetros, a vida não presta atenção nos movimentos das retinas, que o tempo acinzentou. Espera a chuva, ao pé da árvore, sem gestos. Apenas com as mãos entrelaçadas.
Levanta os olhos ao sentir os primeiros pingos baterem em seus cabelos. Encolhe seu corpo magro e pequeno em volta do cobertor, para proteger o que ainda resta da roupa. O latido incessante do cachorro ao seu lado é o único sinal de vida que pula a muralha do silêncio junto com o trovão perdendo a eterna corrida contra a luz do relâmpago.
O dia cede, aos poucos, sua luminosidade às nuvens. Os trapos de João Baptista, iluminados pela última luz, formam uma sombra até o meio-fio. A ausência do fogo é o segredo guardado pelos atalhos em que vive. Há muito sua voz está incinerada pela dispersão das palavras.
Estica os braços, vê o balançar dos pequenos lumes e então colhe a eletricidade do temporal. A vela úmida penetra na eternidade, deixando para trás a porta aberta.

Foto: Chronosfer

Conto: A estação / The station

Hoje, 26 de abril o circulo de três anos da partida do meu pai e o dos sete meses do meu irmão se completam. A ausência de ambos estão em meus olhos que, como a terra, semeiam em seu brilho a saudade, que floresce a cada dia dos dias que ainda me cabem viver. A eles, um texto que havia já publicado neste Chronos, e ao reler cada uma de suas linhas, elas me trazem a presença dos dois na estação de nossas vidas. Faço junto uma versão em inglês, pelo Google Tradutor, para os tantos seguidores e visitantes que passam por aqui e que vivem em outras terras amigas.

estação

A ESTAÇÃO

A estação não atrai mais os pássaros. As luzes apagadas apenas recebem o sol da manhã. As telhas descansam seus vincos tingidos pelo sereno. Deixam vazar um ou outro pequeno vão por onde é lapidada a lembrança. Há muito a pele da madeira e os seus feixes estavam secos. Todo o dia ali era noite. Não a vemos como os velhos a vêem em suas memórias, hoje procurando refúgio. Elas nunca mais estarão abertas como antes, estão misturadas como retalhos tecidos à mão. Mas, sempre há um nervo que se abre e deixa fugir um pedaço da alma. Depois, retorna às pressas com medo do horizonte tenso e em brasa do lado de fora. O que era turvo aos olhos torna−se mais turvo sobre as linhas refletidas na água dos córregos, margeando o verde desse silêncio. A estação não atrai mais do que relâmpagos e temporais. Depois, passam, deixam rastros, ferrugens e cicatrizes azuladas como as veias que recortavam os braços do último maquinista. Ali, o trem parou, e o tempo seguiu seu destino. A mudez das sombras, coberta de cinzas, fundiu−se com os trilhos e os dormentes. Não há mais como voltar. O esquecimento é apenas um território cujo mistério nasceu quando caiu o último letreiro de viagem com as histórias de muitas vidas.

 

The station

The station does not attract more birds. The lights out only receive the morning sun. The tiles rest their creases dyed by the serene. Let leak one or another little go by where is faceted to memory. There’s a lot of wood and skin their beams were dry. All day there was night. We don’t see how the old see it in his memoirs, today looking for refuge. They will never again be opened as before, are mixed as hand-woven flaps. But, there is always a nerve that opens and go away a piece of the soul. Then returns in haste with fear of tense and horizon on fire outside. What was cloudy in the eyes makes it more blurred on the − lines reflected in the water of streams, bordering the green of this silence. The station attracts more than lightning and thunderstorms. Then, pass, leave traces, rusts and bluish scars like the veins that cut out the last train driver. There, the train stopped, and followed your target time. The muteness of the shadows, covered in ashes, merged with the rails and − the sleepers. There’s no more turning back. Oblivion is just a territory whose mystery was born when the last sign of journey with the stories of many lives.

Foto: Chronosfer. Estação ferroviária de Rio Branco, Uruguai.

Fotografia: Ensaios…

Fotos experimentais. Sombras, desfoques (3), a luz chegando aos poucos (2), reflexos, saturação demasiada da lua (1), teias coloridas (4), a vida como ela pode ser vista para além do que olhamos. E que criamos em nosso imaginário.

Poa

Poa 2

Europa IF 03

FEIRA L 20

Fotos: Chronosfer.

 

Sheryl Crow: Be myself

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Por vezes, uma volta às raízes tem um significado muito forte, denso. Sheryl Crow faz de Be myself  esse encontro sem deixar de olhar à frente. Se há em suas faixas canções que ainda flutuam no passado, cada uma delas vai em direção às areias do novo. Assim, o disco torna-se sofisticado e provocativo em cada acorde. Instrumentos combinam como o piano e as guitarras/percussão/bateria. Belíssimo.