Jussara Silveira: Pedras que rolam,objetos luminosos

Jussara Silveira

As visitas ao Clube da Esquina e aos seus integrantes são frequentes. Estão longe da novidade. Do exclusivo. Não do diferente. Do olhar bem pessoal de quem visita e de sua leitura ainda mais pessoal. Jussara Silveira, das Geraes com coração baiano, colheu os frutos de Beto Guedes e Ronaldo Bastos. Pedras que rolam, objetos luminosos seduz desde a primeira canção. A gente já entra na casa sabendo quem vai receber: “Amor de Índio”, “Luimiar”, “O sal da terra” e outros clássicos. E aquela influência beatle de Beto em nada atravessa a suavidade dos arranjos de Jussara. A voz, cristalina, faz essa travessia como se fosse cúmplice dos compositores, cria um ambiente fértil, bem cuidado e inspirador. Há sempre um despertar para o novo, o tempo não parou nas canções. Ao contrário, vitaminadas, ganham mais músculos, mais densidade, se tornam intensas, arrebatam. Disco emblemático e atemporal. Como o Clube.

Raul Ellwanger: La cuca del hombre

raul ellwanger

A primeira matéria que escrevi sobre música foi sobre o disco Luar do Raul Ellwanger. Número 1 da Revista Porto&Vírgula, editada pela jornalista Susana Gastal, recebi como pauta entrevistar o Raul sobre direitos autorais, e ele me devolveu com a proposta de artigo sobre o disco que estava lançando. Assim iniciei a vida no jornalismo musical. E com uma amizade na bagagem. As longas conversas se sucederam, as fitas que me passou – hoje são tesouros bem guardados – de seus primeiros álbuns gravados – e esgotados e fora de catálogo -. a vida no exílio na Argentina, onde estudou música, e no Chile. As canções, a política, o cotidiano, a praia do Rosa. Um universo de histórias. Um universo de vida. La cuca del hombre foi gravado na Argentina e tem como hóspedes em suas faixas amigos que fez em sua trajetória de compositor/cantor – cantautor -: Mercedes Sosa, Pablo Milanés e León Gieco. E também foi um desafio: se eu conseguiria o disco argentino. Consegui o cassete – estamos falando de 1990 – que ele assinou para mim. Um repertório que traz além dos nomes acima, parcerias com Vicente Barreto, Washington Benavidez – parceiro do extraordinário Alfredo Zitarrosa -, Raul Porchetto, Peri Souza e Jerônimo Jardim. No Brasil, o disco foi batizado com o nome de Gaudério e algumas mudanças nas faixas. Pouco importa. No registro porteño, “Guri de America”, “Tena Catena”, “Lazo de sangre”, “Comienzo e final de una verde mañana”, “Hermanito de batalla”, “Tirana” e outras mais. Ao longo da vida: “Teimoso e vivo”, “Farewell”, “Tango dos músicos”, “Fronteiras”, “Pequeno exilado” (com Elis Regina) e discos mais recentes, incluindo um com obras vertidas para o português de León Gieco. Raul Ellwanger é um desses nomes que a história grava a fogo para nunca ser esquecido. E merece. Uma grande pessoa e um músico de qualidade superior. E um pouco de seu trabalho logo abaixo.

 

As corridas como eram até os anos 50

Rio Volga 1Hoje, mais um mês na contagem da saudade, que cresce e amadurece como um fruto sem jamais, no entanto, cair no chão. Na cesta da vida, permanece intacta e forte e mostra o quanto vivê-la também nos faz viver. É muito mais que uma lembrança. É um conviver que apenas marcou encontro para outro lugar, em outro tempo ainda a ser determinado. Hoje, esse café desce com a magia de um passado que cada vez mais é presente nas distâncias que devemos percorrer.

seabiscuit

O livro Seabiscuit – Uma lenda americana, da editora e articulista Laura Hillenbrand é uma peça valiosa para os turfistas e para quem goste de corrida de cavalos. Ao narrar e entrar em detalhes fascinantes da trajetória não apenas de Seabiscuit e também dos personagens que protagonizaram todo um espetáculo em um Estados Unidos dilacerado pela Depressão, Laura trouxe à vida o que muitos não sabem sobre o como ser jóquei – no livro, em como era ser – e suas imensas dificuldades. Mais que isso, em como o ser humano desafia a si mesmo e as todas as perspectivas em busca não somente da vitória se não pela sobrevivência. Na década de trinta do século passado a importância dos hipódromos, do jogo, das corridas era muito mais que uma válvula de escape. A decadência da sociedade necessitava de heróis e Seabiscuit foi um deles. Em uma das passagens, a segurança dos jóqueis: ” … Exigindo que os competidores humanos montassem animais erráticos em meio a agrupamentos densos em grande velocidade, as corridas da década de 1930 eram repletas de perigos extremos, assim como as de hoje. Os cavaleiros nem precisavam cair para se machucar seriamente. Mãos e canelas eram esmagadas e os ligamentos dos joelhos se rompiam quando os cavalos giravam de repente ou colidiam com cercas ou muros. …. Quando foram criados os primeiros e primitivos boxes de saída no início da década de 1930, estes não eram almofadados e alguns jóqueis morriam literalmente sobre a sela, atravessados pelo aço exposto das barras superiores quando seus cavalos empinavam sobre as patas traseiras. … Ferimentos graves são uma certeza para todos os jóqueis, a exemplo de fraturas e esmagamentos, frequentes em acidentes automobilísticos sofridos em autódromos. … Em cinco ferimentos, pelo um se localiza na cabeça ou no pescoço. Uma pesquisa de 1993 descobriu que 13% dos jóqueis sofrem concussões em um período de apenas quatro meses. O número de acidentes era muito maior nas décadas de 1920 e 1930; apenas no período compreendido entre 1935 e 1939, dezenove cavaleiros morreram em acidentes enquanto exerciam sua profissão. Naquela época, eram empregadas táticas muito perigosas, e a ausência de equipamentos de proteção aumentava a vulnerabilidade dos jóqueis, causando inúmeros acidentes fatais. Nos dias de hoje, as corridas são filmadas sob múltiplos ângulos para garantir que os jóqueis conduzam suas montarias de modo seguro. São obrigados  a usar jaquetas reforçadas, semelhantes a coletes à prova de bala, óculos de proteção e capacetes de alta tecnologia, além de competir em raias equipadas com grades de segurança e haver ambulâncias posicionadas em torno da pista. Estes luxos não estavam à disposição dos jóqueis de antigamente. Na melhor das hipóteses, apenas um ou dois comissários supervisionavam as táticas de corrida. A única proteção usada pelos jóqueis era um boné de papelão, recoberto de seda. O ex-jóquei Morris Griffin, que ficou paralítico, devido a uma queda sofrida em uma corrida disputada em 1938, comparou seu boné a um quipá. Como não tinham uma correia passando sob o queixo, os bonés voavam da cabeça do cavaleiro antes de este chegar ao chão. Para piorar as coisas, quase todos os jóqueis inutilizavam o boné ao cortar o topo e retirar o forro para diminuir o peso. …”

Rossano e o capacete

No antigo e sempre saudoso Hipódromo dos Moinhos de Vento, em Porto Alegre, apenas nos anos 1950 o capacete de fibra foi usado pelos jóqueis. Em matéria publicada na imprensa, Mário Rossano posa com um deles, ainda em fase de experiência. Antes, era exatamente como Hillenbrand narra em seu livro.

Final justo

Acima, em que Rossano vence na “fotografia” páreo disputadíssimo, percebe-se os bonés dos jóqueis sem nenhuma espécie de proteção. Os tempos do pradinho foram mais tranquilos, as reuniões eram número mais reduzidos, as cercas de madeira, em especial a interna, e somente na ida para o Hipódromo do Cristal em 1959, as mudanças começaram a valer. Os boxes foram introduzidos nos anos sessenta, os capacetes evoluíram e se tornaram mais resistentes, e a segurança muito maior. Ainda assim, um acidente de pista, no extinto Hipódromo de Mathias Velho, em Canoas, próxima a capital, em uma rodada “feia”, uma labirintite minou de maneira precoce aos 37 anos a carreira vitoriosa de Mário Rossano. A memória entre os turfistas permanece viva e hoje é uma lenda entre eles e os jovens profissionais.

 

Música: La Mufa

Livro: Seabiscuit – Uma lenda americana, de laura Hillnbrand, págs. 98/103

Fotos: jornal Folha da Tarde, 1958.

Paz e Harmonia

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Toma Luis,
Llevalo a tu casa
Y podras junto con tu padre
La Navidad Festejar.
Mañana no vengas a trabajar
que el pueblo estara de fiesta
y no habra tristezas.

Señora: !Gracias por lo que me da¡
pero yo no puedo esto llevar
Porque mi vida no es de Navidad.
Señora , ¿cree que mi pobreza se dara al
final comoendo pan el dia de Navidad?
Mi padre me dara algo mejor
Me dira que Jesus es como yo
Y entonces asi podre seguir
Viviendo,Viviendo, Viviendo,Viviendo
Viviendo,Viviendoo,Viviendo.

o meu abraço a todos.

The National: Boxer, Alligator, High Violet, etc…

High-Violet

A história do The National não é muito diferente da maioria das bandas do mundo inteiro. Shows aqui e ali, plateias mínimas, viagens curtas outras mais longas, singles gravados sem muita repercussão,. E, ao mesmo tempo, formando duas bases sólidas: o próprio público e a maturação do grupo. Com The National iniciaram a trajetória dos álbuns. Todavia, somente em 2005 Alligator chamou a atenção da crítica. E a seguir o índie rock com quês de post-punk confirmou o talento de Matt Berninger nos vocais e como letrista. O que então soava melancólico ganhava um arco-íris doce em sua interpretação, deixando para trás qualquer traço de tristeza. A musicalidade também acertou o passo e o The National saiu do pequeno circuito, que também é essencial, para as grandes plateias e viagens. De certa forma, ouvi-los é uma viagem. Serena e por vezes com as turbulências de um voo em meio a uma tempestade. Basta então apertar o cinto de segurança, fechar os olhos e se deixar levar por suas canções.

Toninho Horta & Nicola Stilo: Duets

thduets

Flauta e guitarra formam, aparentemente, uma dupla estranha. Até pode ser. Com o italiano Nicola Stilo e o brasileiro Toninho Horta as dúvidas e estranhezas desaparecem. As texturas vindas das Minas Gerais e das terras do outro lado do oceano são uma fusão de jazz com música popular brasileira. E da melhor qualidade. Stilo foi um dos pilares do quarteto de Chet Baker nos anos oitenta. Horta, criador de “Manuel, o audaz”, é assíduo do Clube da Esquina. Raízes mineiras profundas. E é desta mescla que Duets invade com delicadeza cada espaço onde sua sonoridade entra. Aqui e ali um sombrio vocal de Toninho, um quê de John Coltrane, e as harmonias hospedam criatividade e alma. Por vezes, é o violão que leva Horta a solos impressionantes e acompanhado por Nicola. Em outras, a flauta conduz a melodia e o brasileiro vai junto com leveza, suavidade. Um disco alimentador de bons momentos de dois virtuoses.

 

Chico – Artista Brasileiro

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Perdi a conta de quantas vezes assisti (e ouvi) a banda passar. Ou terá sido o contrário, que não assisti (e não ouvi) ? Não importa. O Chico faz parte da vida do brasileiro assim como o brasileiro faz parte da vida do Chico. Clichê terrível, eu sei, mas às vezes a verdade se encerra dentro dos clichês e deles não há jeito de sair. Comigo não foi diferente. Desde muito cedo, ainda sonhava em sair pelo mundo adentro e as sombras ofuscavam esse sonho adolescente. Certa feita, um show com grandes nomes da nossa mpb em clube desses anos passados, e lá estava Chico no palco com Elis, Quarteto em Cy, MPB4 e mais outros cujos nomes se escondem dentro do meu esquecimento. Eu, na plateia. “A Banda”. Pois é, os festivais, a repressão, a censura, as aulas do ginásio/científico, as ruas desertas, Fernando Pessoa e o rock. Chico – Artista Brasileiro pelo para mim é um ponto de reencontro com o tempo. Não, não é acerto de contas, não, absolutamente não. Longe disso. Antes, acredito ser a confirmação de muitas convicções que naqueles sombrios anos sessenta, virando para os setenta, se formaram em definitivo dentro de mim. O filme de Miguel Faria Jr é sensível a tudo o que se movimenta (ou) em torno de Chico Buarque. Desde a sua relação com o pai Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e as relevações que vai abrindo espaço na tela seja sobre a sua vida pessoal, sobre a ditadura, o público, o ofício de compositor/cantor. Momento marcante: a literatura quebra o muro de Berlim que existia entre ele e o pai. E a consciência que hoje não pode fazer algo igual ou inferior ao que já fez. E muita música: Mart´nália, Adriana Calcanhotto, Maria Bethânia, Mônica Salmaso, Milton Nascimento, Carminho, deslumbrante em “Sabiá”, e mais outros tantos. Um filme sensível. Um filme que nos faz pensar. Um filme que nos deixa mais próximos de Chico seja como poeta, compositor, cronista, cantor, pessoa. Um filme que emociona. E além das lembranças e reflexões de uma época e outra épocas que vai sendo passada a limpo, também alicerça Chico como ser humano acima de tudo. Filme que mexe com o coração e alma. (E me fez reencontrar minha adolescência, em outros tempos.)

Warpaint: Warpaint

Warpaint_-_Warpaint_album

O pouco tempo de vida, batendo às porta da adolescência, não faz do Warpaint uma banda sem conteúdo. Ao contrário. Somaram um grande número de rótulos à sonoridade que cria: rock alternativo, índie rock, art rock, dream rock e psicodélico. É muito rótulo para uma música que cujo alicerce principal é o experimentalismo. Delicadas canções, por vezes parecem miragens em meio ao deserto, com efeitos que flutuam sobre densas névoas. São essas camadas e texturas que fazem de Warpaint sair do sombrio a grandes melodias e vocais envolventes. Ainda que não sejam e não possam ser “rotulados” como ousados, Warpoint marca pontos importantes ao adquirir em seu trabalho equilíbrio em sua proposta multifacetada e ao mesmo tempo transitando em suas letras e sons e vocais entre o passado e o futuro. Um disco presente. E muito bom de de se ouvir aos poucos. A propósito, a capa é belíssima. Arte pura.

David Gilmour: Rattle that lock

Gilmour

Hoje, Porto Alegre acolhe David Gilmour. Dia único. Por essas coisas que a explicação não existe e se existisse não encontraria resistência que pudesse justificá-la, não irei. Todos que me conhecem sabem da minha profunda admiração pelo Gilmour. Em especial o disco On an island, depois gravado em Gdansk ao vivo, que um espetáculo fascinante. Canções com “Smile”, “The Blue” e “Red Sky at Night” são pontos infinitos em beleza e criatividade. O nome, junto com Roger Waters, do Pink Floyd ainda mexe com o novo com a mesma densidade dos anos sessenta, quando substituiu um atormentado Syd Barret na guitarra do Pink. Ainda que muitas vezes o silêncio entre um disco e outro tenha sido longo, David sempre esteve presente. Quem não tem o Dark side of the moon entre os cds de sua coleção? Ou que pelo menos tenha ouvido uma única vez. O guitarrista e compositor e dono de vocais exuberantes não faz muito lançou Rattle That Lock. Um legítimo Gilmour. Alterna os ritmos, mantém a doçura, cria climas, atmosferas e harmonias que vão costeando as costas dos mares do jazz, do rock e do eterno Pink Floyd. É bem provável que tenha eu ouvido e estranha uma primeira vez o disco, depois sim, colocando-o em devido lugar: na fileira da frente dos meus preferidos. Dia de celebrar sua presença entre nós. Talento e sensibilidade sempre se acolhe e guarda dentro da alma.

Playing For Change: Songs around the world

playing for change

A utopia de fazer do nosso mundo um mundo melhor não encolheu com o passar do tempo. As crises embora estejam crescendo em volume e as perspectivas assumem proporções assustadoras, ainda há quem acredite no possível. É possível. Playing for Change é um desses projetos que se limita a fazer fronteira com a dúvida. Avança sem medo. Constrói possibilidades. Anuncia que a utopia vive. Músicos do mundo inteiro juntos, conhecidos, consagrados, desconhecidos, não importa. Cada um com suas canções ou canções de muitos outros que não estão no grupo passam a frequentar repertórios que alertam para a realidade. A formação de uma consciência mais consistente, mais sólida em favor da humanidade rege seus movimentos. Um trabalho gigantesco em todos os sentidos e forte pelo discernimento de seus criadores e suas alternativas. O projeto como um todo é multimídia, cria escolas comunitárias em locais carentes, insere-se em universos em que pensar a vida e preservá-la é maior das prioridades. Projeto indispensável nos dias de hoje.