Quarteto de Cordas maiúsculo. Começar com adjetivo é sempre um perigo. A linha que separa a afirmação do não corresponder à expectativa é tênue. Demasiada estreita por onde podem passar gostos distintos. E cada um com suas razões. O Kronos Quartet se ajusta com canções que se criam ao redor do mundo. Ou para dentro do mundo. Caravan vai passeando faixa por faixa por essa geografia: Iuguslávia (antes de ser fatiada), Portugal (Carlos Paredes), Índia, México, Turquia, Romênia, Hungria, Irã, Líbano e Argentina (Aníbal Troilo). Música étnica, música tradicional, folclore, tango (já haviam gravado Piazzolla), canções populares recheiam o disco com suavidade e emoção. Lançam para além da formação clássica convidados à arena das interpretações: Zakir Hussain, Taraf de Haidouks, Kayhan Kalhor, Ziya Tabassian, Ali Jihad Racy, Souhail Kaspar e Martyn Jones. Eles dão o gosto da mescla. Introduzem instrumentos como o acordeom, as tablas, címbalos, bateria e instrumentos da cultura africana. E esse gosto étnico conduz o quarteto por um caminho de aproximação e profundidade entre as culturas, regando-as sem concessões, criando texturas envolventes e revelam intimidade em suas nuances. Caravan não excede em absolutamente nada e os arranjos ultrapassam os limites que um quarteto de cordas comum ficaria confinado. Tudo aqui se transforma. Ganha uma vida que abre outras tantas. E se mostram por inteiro. Um disco completo. Maiúsculo. O adjetivo é toda a sua sensibilidade de sentir e passar adiante.
Se você começar uma lista de bluesmen ela deverá ter como primeiro nome BB King. Depois, vem uma gama de guitarristas de primeira: Howlin´ Wolf, John Lee Hooker, Muddy Waters, Robert Johnson, Stevie Ray Vaughan, para ficar apenas com esses. Claro, os mais novos: Jimmy Page, Eric Clapton, John Mayall – talvez o mais velho de todos -, Keith Richards – os melhores discos dos Rolling Stones são os primeiros, com pegada blues -, Johnny Winter e outros mais. E, não, não ficou esquecido: Buddy Guy, que pertence a primeira lista lá de cima. O genial Buddy Guy. para não deixar o tempo muito mais distante, afinal ele passa com rapidez absurda, ele chega com Born to play Guitar. Não é um disco renovador, não traz novos ares, não contém excessos, não há viagens sonoras tampouco avança qualquer sinal nas tessituras do blues. É um trabalho onde as cordas de sua guitarra alternam o suave com o um pouco mais veloz nas melodias. Mantém o ritmo aceso como todo bluesman faz e reverencia sua guitarra. A doçura com que as faixas vão passando reserva a alguns convidados momentos sublimes. Ficam dois desses registros como referência: Joss Stone e o bardo irlandês Van Morrison, outro que possui uma alma blues. É com Morrison que a emoção atinge seu ponto mais alto, em canção que homenageia o mestre BB King. E com a musa Joss, um dueto singelo e repleto de nuances entre o tocar as cordas e voz da cantora. É um Buddy Guy em forma, bom para se ouvir e mostra bem porque nasceu para a guitarra.
Passo os olhos pelas páginas quase em branco da minha memória e não encontro nada sobre o filme Suite Française. O que não significa que tenha percorrido o circuito comercial. E, por essas coisas do acaso, será?, o filme está em um desses sites para ser assistido. Assisti. O trio de atores que forma o núcleo central da narrativa é excepcional: Kristin Scott Thomas, Michelle Williams e Matthias Schoenaerts. O tema, a Segunda Guerra Mundial. Por mais recorrente que possa ser, há sempre um nervo latejando para que não se perca nas mesmas páginas em que minha memória vai aos poucos apagar. Paris em 1940 sendo bombardeada, a ida para Bussy, pequeno povoado ao centro da França, o jovem marido indo para o front, uma nova vida que se desespera pelos refugiados que chegam, e mais desespero com a chegada dos invasores alemães transformam a vida de Lucile. Viver com a sogra, Madame Anzhelier, é um peso a mais na jovem que não sabe o destino do marido. A chegada do Tenente Bruno Von Falk quebra essa rotina de dor e desesperança. As contradições e o viver entram no conflito, criando outro conflito: o humano. Entre os que sofrem toda a sorte da força inimiga e seus armamentos e sua pressão psicológica e aqueles que se rebelam ou apenas tentam sobreviver. Os horrores da guerra desfilam de maneira sutil, em outras mais ferozes. Todavia, é em Lucile e Bruno que se estabelece a relação humana. E é nessa perspectiva que o filme, por mais cruel que seja, se debruça. Da distância ao encontro é outra guerra. E a corda que os aproxima é a música. Suite Francesa, no Brasil, possui a densidade que o horror da guerra causa, seus traumas, as derrotas e as vitórias, e questiona, por certo, o lado humano de invadidos e invasores. O livro original de Irene Némirovsky, é um relato impiedoso do cotidiano do vilarejo invadido. Mais tarde, levada a Auschwitz, onde morreu em 1942. A linha tênue onde a ficção ingressa é logo quebrada pela realidade. A guerra sempre é devastadora. Porém, algo permanece entre os que vivem o drama, o terror, a esperança, a morte, a sobrevivência, a destruição: é possível descobrir um sentimento maior que muitas vezes não possível ou jamais é dito. Os manuscritos foram recuperados e depois de seis décadas a França estava revelada a partir de Bussy. Um rigoroso e vital relato sobre a vida. Sobre a guerra. E, sobretudo, sobre o amor. Hoje, quando todos os meios de comunicação passam a maior parte do seu tempo noticiando guerras e mais guerras, olhar para dentro de nós mesmos e ouvir “Suite Francesa”, apesar de toda a dor, é um alento.
O tempo é como uma corrida de cavalos. Está sempre presente. Correndo. A saudade percorre outros caminhos. Não fica apenas na marca do calendário da memória. Instala-se em nossa alma e nela faz morada para todo o sempre. Anda de mãos com tudo o que sentimos e vivemos e a cada dia cresce e acompanha as estações com a delicadeza desse viver. Hoje, 26, mais um mês da partida do pai. Mais um mês que avança e mais um mês em que a saudade cresce. Sem fim.
O calendário do turfe do interior do Rio Grande do Sul foi marcado por grandes disputas. Em especial, dois hipódromos acolhiam no primeiro semestre do ano dois grandes prêmios que rivalizavam em importância aos disputados na capital. Rio Grande, hoje apenas na lembrança, recebia na Vila São Miguel no verão para o GP Cidade de Rio Grande (foto acima). Algum tempo depois, Pelotas, na Tablada – até os dias de hoje – o GP Princesa do Sul. O público tomava conta dos hipódromos, as cidades paravam, e não se falava de outra coisa. Grêmio e Internacional nesses dias eram apenas dois clubes de futebol caseiros, o que somente mudaria a partir da segunda metade da década de setenta.
No verão de 1960, Lord Chanel e Mário Rossano não tomaram conhecimento do potro promissor Saitan, do favorito, Guindo e do veterano e raçudo Arizu. Vitória maiúscula. Vitória que não deixou nenhuma dúvida aos presentes a Vila São Miguel tomada de turfistas e apreciadores de corridas. E credenciado por essa vitória, partiu para o GP Princesa do Sul. Na condição de favorito, o tordilho passeou pela pista da Tablada. Os 3.000 metros estavam sendo rigorosamente cumpridos com a valentia e a força que o filho de Lord Antibes sempre exibiu em suas apresentações. Ao jóquei, o trabalho de leva-lo a linha de chegada. Corridas de cavalos, no entanto, não são uma ciência exata. Em uma prova, não importa a distância a ser percorrida, tudo pode acontecer. E naquele dia, ao virar a curva final, a 400 metros de chegar em primeiro, Lord Chanel e Rossano foram surpreendidos por um uruguaio cuja campanha até então não era nada animadora. Componente, sob a condução do também uruguaio, Luis Perez, trouxe o filho de Enterprise em Scala, em fulminante atropelada e alcançou o tordilho nos metros finais e cruzou o disco como vitorioso.
Nas fotos acima, o final da prova, Componente ultrapassando Lord Chanel (mais acima), e a acolhida ao vencedor pelos proprietários e público (acima). A partir desse dia, nasceu o folclore do Grande Prêmio. O que se ouvia falar era simples: Rossano havia já tirado o boné, sentindo-se vencedor tamanha era distância que possuía em relação aos demais. Rossano relaxou e deixou Lord Chanel galopar sem fazê-lo correr até o final. Enfim, as histórias foram sendo criadas em torno da derrota muito mais que a vitória espetacular do conduzido por Luis Perez, o que foi e ainda continua sendo uma injustiça com quem venceu. O pai sempre contou que jamais, em momento algum, tirou o boné ou relaxou. Componente venceu porque estava melhor naquele dia e na distância dos três quilômetros. “Se disputássemos dez corridas, venceria nove. A única que poderia perder, perdi”, me disse em nossa conversa em 2011. A história, entretanto, às vezes escolhe o folclore como verdade absoluta. Assim, o Princesa de 1960 tem essa marca eterna.
O testemunho de quem esteve lá:
Acompanhávamos o pai em suas idas ao interior disputar os grandes prêmios. Passávamos o verão no Cassino, em Rio Grande, e depois íamos para Pelotas. Período de férias escolares, na verdade éramos do jardim de infância, e minha irmã ainda sequer frequentava-o. 1960. Meus pais, meus irmãos e meus avós maternos, a família do pai é de Rio Grande, aproveitavam esses meses para encontros. E nós, pequenos, nos metíamos entre o público e assistíamos as corridas. Vibrávamos mesmo sem entender bem o que significava uma corrida de cavalos. ver o pai, o tordilho, a ferradura de flores, nos deixava felizes. Na foto acima, estou vendo o retorno do vencedor em Vila São Miguel. Único lugar onde poderia ficar em meio a adultos. Meu irmão também estava junto. E pouco acima de nós, o cunhado do pai, Dirceu Antunes, batendo palmas. Tenho presente esse momento, e olhando a foto agora, desato o nó da saudade. Mais tarde, lembro de Pelotas. tenho vivo o final da disputa, e posso assegurar com toda a inocência dos meus seis anos incompletos da época, o pai perdeu porque o vencedor foi melhor. Não vi o “Viejo” tirar o boné, ou “relaxar”. Perdeu, simplesmente. Claro, a Tablada não é assim como a foto de Rio Grande. E não estávamos junto a cerca. Com a minha mãe e meus avós, estávamos nas tribunas. No dia seguinte, no retorno para Porto Alegre, encontramos Luis Perez. Ouvi quando ele disse que estava surpreso com a própria vitória, e o pai, triste e tranquilo, disse que era da vida vencer e perder, e que de alguma maneira fizeram história. É verdade. Jamais esqueci esses momentos. E os guardo em mim com emoção.
Agradecimento especial ao meu irmão Mário pelas fotos do seu acervo, que gentilmente me enviou. E a minha irmã Ana, por também ter vivido essa história.
Um violinista virtuose e elétrico no sentido pleno da palavra. Precursor na eletrificação do instrumento, Jean-Luc seguiu a trilha do jazz e da fusão do gênero com outros, como o rock. Estudioso de vários instrumentos, foi, no entanto, com o violino que seu nome encontrou ressonância. Tocar com sua grande influência – Stéphane Grappelli – foi uma passo gigantesco em sua carreira em ascensão. Agrupou-se com Frank Zappa, George Duke, tocou no Monterey Jazz Festival de 1967, criou o Jean-Luc Ponty Experience, andou bons anos com a Mahavishnu Orquestra, esteve com John McLaughlin, e acumulou experiências musicais que transformaram sua linguagem. Inquieto e criativo, mexeu com sintetizadores, gravou um disco histórico com Stanley Clarke, Al Di Meola – The Rite of Strings -, flertou com o pop (fez a sua leitura de “With a little help from my friends” dos Beatles), até que em 1991 fez Tchokola com músicos do oeste africano e ali ingressa em um novo estágio musical. Uma gama infinita de influências, outra gama genuína de criatividade fazem de Jean-Luc Ponty um instrumentista e criador além do seu tempo. Ouvi-lo é estar no futuro. E mergulhar para dentro de si mesmo.
As tramas muitas vezes conspiram a favor. Domingo 4 de outubro, manhã fria, tarde de sol e o Parque da Redenção era uma mistura perfeita de natureza e seres humanos. O palco, perto do Monumento ao Expedicionário, reservava lugar para o homenageado do 2º Porto Alegre Jazz Festival: Milton Nascimento. Muitos dias depois, perdido entre os livros de uma livraria, encontro uma edição atualizada de Os sonhos não envelhecem – Histórias do Clube da Esquina. A minha é de 1997. O show foi magnífico. Milton é Milton, não encontro outra definição e nem quero encontrar. Repertório curto, atravessou parte de sua carreira já não mais com a mesma agilidade física de mais jovem, todavia com a voz preenchendo todos os espaços e aveludando os sonhos. Depois de reencontrar o livro escrito pelo letrista e compositor Márcio Borges, decidi ler outra vez cada página da história que sempre habita o meu imaginário. E então o que era algo ainda fora do alcance do futuro, como não podia deixar de ser, hoje tem uma dimensão profunda e reflexiva. Ao traçar os caminhos do Clube, Márcio também se insere na realidade política do Brasil a partir de 1963 e logo após o fatídico golpe militar. E a travessia passa a ser outra. está ali a gênese dos rios que formaram um grande mar. Estão ali as influências de cada um, a bagagem de cada um, as criancices de beto Guedes e Lô Borges, a já maturidade de Milton, Wagner Tiso, Paulinho Braga, o próprio Márcio crescendo, o irmão mais velho Marilton na música desde cedo, e outros nomes se agrupando em torno dessas figuras emblemáticas: Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Nelson Ângelo, Toninho Horta, Flávio Venturini, Murilo Antunes, Elis Regina, Francis Hime, Chico Buarque, e uma infinidade de outros mais como Pat Metheny,Wayne Shorter e a gente se perde nesse universo. O livro de Márcio é um registro inestimável para a memória não apenas da nossa música brasileira se não que para compreender um pouco mais o país em que vivemos. As músicas “falam”. E quando menos esperamos, descobrimos que o mar gerou e ainda gera diversos rios, em processo inverso ao início. Somente Milton é capaz disso. Ao fim da leitura – quem sabe seja o início de várias outras leituras – o título, quase um clichê, se torna verdadeiro. Com todos os nossos avanços e recuos, a grande verdade é que “os sonhos nunca envelhecem”. ( o último vídeo tem a canção original do Clube, com a presença na plateia dos pais de Lô, Seu Salomão e Dona Maricota. emocionante.) A gente se vê por aí.
Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson, Richard Manuel e Robbie Robertson: The Band. Paul Butterfield, Bobby Charles, Eric Clapton, Neil Diamond, Bob Dylan, Ronnie Hawkins, Dr. John, Joni Mitchell, Van Morrison, Ringo Starr, Ron Wood, Neil Young, Muddy Waters, Jim Gordon, Emmylou Harris e The Staples: The Last Waltz. A despedida de uma banda que captou, ao acompanhar o bardo Dylan em muitos trabalhos, a essência de uma época. Possuía vida para muito além de Mr. Zimermann, Um grupo de músicos que deixariam os palcos para apenas gravar discos em estúdio. Fez-se o concerto. 1976. E o que era apenas uma reunião de adeus com dois convidados transformou-se em uma celebração. Martin Scorsese filmou. Levou-o às telas. Ainda que muitos integrantes do Band não tenham gostado, The Last Waltz é uma referência em filmagens de bandas de rock. Discos foram lançados. Entre eles, esse cuja capa está reproduzida acima. Não há muito o que dizer. Basta ler a lista de músicos e ouvir. Momentos inesquecíveis habitarão a sua memória musical afetiva.
Se alguém passar e perguntar se Carlos Badia é o mesmo do grupo de jazz Delicatessen a resposta é sim. O compositor, produtor e instrumentista faz algum tempo que trabalha suas canções. Ao deixar o Delicatessen, iniciou um mergulho no tempo e foi lapidando suas canções que forma descobertas na década de 90 e chegaram até estes anos 2000. Zeros, álbum duplo, pode ser visto como uma síntese destes anos ou um disco que percorre seus vários caminhos além do jazz. Um dos discos contempla sua criação instrumental, o outro transporta o ouvinte para o universo vocal. E a som de ambos condensa suas influências ao longo desse tempo todo: jazz, naturalmente, bossa nova, samba, zamba e ritmos caribenhos. Há nele, em Zeros, uma síntese da universalidade de Badia. As mesclas de gêneros, os países que nos circundam, os que estão lá adiante de repente se encontram em complexas harmonias criadas pelo compositor. Seus arranjos, elaborados em esmero e talento, carimba o trabalho solo, o primeiro, com extremo virtuosismo. Se quem gosta do Delicatessen, por certo haverá de gostar de Carlos Badia, mas não tente juntar os dois ao mesmo tempo. O disco de Badia tem vida própria, e abraça o ouvinte com toda a sua sensibilidade.
“Quando ouvi pela primeira vez a Orquestra Popular de Câmara, certifiquei-me de estar assistindo ao nascimento de um novo movimento musical, com base na associação de excelentes instrumentistas que, além disso, realizam arranjos originais e inovadores. Esse grupo especial de músicos produz seu trabalho de modo eclético, em composições de vários estilos e de diversas origens, dando oportunidade a que cada um de seus componentes possa exprimir as características individuais de seu virtuosismo. Não acredito existir hoje no Brasil um trabalho de tal qualidade e tão comovente beleza instrumental. Daí a minha convicção de que a Orquestra Popular de Câmara, ao apresentar este seu primeiro cd, está abrindo portas para nós, apaixonados pela MPB, de um importante e novo caminho para a criatividade musical brasileira”.
Texto de Roberto Freire no encarte do disco.
O grupo foi formado em 1997, lançou este em 98, e depois Danças, jogos e canções (2003), sempre pela Núcleo Contemporâneo. Seus componentes são nomes que dispensam qualquer apresentação formal ou que aqui se faça um histórico individual. Basta ler a relação: Mônica Salmaso – para mim, a maior cantora brasileira dos dias de hoje -, o pianista Benjamim Taubkin, o acordeom de Toninho Ferragutti, a flauta de Teco Cardoso, a percussão de Caíto Marcondes, a viola e o violão de Paulo Freire, o sax de mané Silveira e mais Dimos Goudaroulis, Sylvio Mazzucca Jr. Guello, Zezinho Pitoco, Lui Coimbra e mais outros tantos que de alguma forma não deixam de formar um clube. Um clube para o qual estamos convidados a participar.
A música que vem do jazz e do blues, cuja matriz é africana, verte pelos poros dos instrumentistas do mundo. E gera frutos infinitos. Aqui na América do Sul uma gama de influências a partir da conquista do território, e a custo desumano e injustificável de crimes contra a humanidade como saques da cultura, genocídios e escravatura – para ficar nesses três – inseriu no espectro cultural de nossos países a formação de novos ritmos, novos jeitos de tocar instrumentos além da introdução natural de novos instrumentos. Bom, tudo isso para dizer que músicos de tango também, tempos depois, para além das vivências dos bairros portuários e outros ambientes de Buenos Aires, não se fixaram tão somente nas estruturas convencionais de então. Ao longo do tempo, com a quebra dessa estrutura, em especial por Astor Piazzolla, os instrumentistas característicos do gênero não eram apenas autodidatas, se não que estudavam ou com músicos consagrados ou em escolas de música. E no currículo estava o jazz, que Piazzolla já mesclava ao tradicional. Não foi diferente com o bandoneón de Rodolfo Mederos e com o violão de Nicolas Brizuela. Se Mederos possui uma trajetória mais ligada as orquestras, independente de seu trabalho solo, como a do mestre Osvaldo Pugliese e parcerias importantes com Mercedes Sosa, Luis Alberto Spinetta e até mesmo com o catalão Joan Manuel Serrat. Por outro lado, “Colacho” Brizuela se consagrou como violonista de Mercedes Sosa, desde que gravou com La Negra Mercedes canta Atahualpa Yupanqui no já distante 1977. E, naturalmente, participações em diversos trabalhos em especial com o jeito peculiar de tocar violão e interpretar o folclore argentino. Dessa união, nasceu um disco memorável: Tangos. Um repertório clássico e de compositores que não aparecem em uma primeira lembrança para quem não conhece tango. Um disco instrumental. Bandoneón e violão. Para ser ouvido, escutado, e se deixar levar por suas texturas suaves e reveladoras dos mais secretos tesouros das harmonias que permaneciam escondidas em algum lugar do tempo passado.