Damien Rice & Lisa Hannigan: O & At Swim

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O irlandês Damien Rice lançou seu primeiro disco com qualidade superior. O não deixa nenhuma dúvida. Puro folk, atravessa as harmonias com sensibilidade e com recursos instrumentais que incluem orquestrações magníficas. Por vezes melancólico, Rice alcança e sublima o mais profundo da alma de quem o ouve. Todavia, é um trabalho que alegra por sua extraordinária conjunção de texturas tanto poéticas como melódicas e, claro, vocais. Conta com a participação de Lisa Hannigan.

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Irlandesa como Damien, Lisa Hannigan chega a nós com seu terceiro álbum: At Swim. Também transitando pelo folk, recheia o disco de baladas e acentua esse sentimento com vocais que se arrastam entre as notas das canções e as letras muitas vezes escorregadias pelas pedras dos caminhos. Traduz vários cotidianos, talvez o de cada um de nós, e colhe sua produção com a sensibilidade com que “fala” a todos. Disco que se ouve sem pressa alguma, deixando o tempo se apossar do próprio tempo.

 

The many faces of The Bee Gees

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Poucos grupos que habitaram os anos sessenta chegaram longe como os Bee Gees. Atravessaram as décadas, até o início dos 2000 com suas várias vertentes musicais. Barry e os gêmeos Robin e Maurice tinham o DNA da música. Compositores natos, possuíam uma harmonização vocal inigualável. Sobretudo, souberam “ler” as passagens do tempo e entre sucessos e fracassos criaram trilhas que acompanham as lembranças de muita gente. Rock, pop, progressivo, soul, r&b, barroco, dancing, baladas, folk, country, o gênero que fosse o trio assumia com talento canções em discos emblemáticos. A morte de Maurice e depois a de Robin, deixou Barry com a estrada a ser percorrida em cada uma de suas harmonias. É possível que para além das que alcançaram as paradas de sucesso, poucos conhecem aquelas composições que ficam escondidas entre as faixas de um disco. Aqui, algumas.

 

Arthur Verocai: Arthur Verocai

Arthur Verocai

A década de setenta no Brasil trouxe o novo em meio a tantas manifestações musicais nascidas pelos anos 50 e 60. Não apensas na sonoridade, a estética também, a letra mais sutil, mais aguda, mais sensível ao tempo presente de então. A Jovem Guarda, a Bossa Nova se destacavam, e esse novo se apresentava com a Tropicália e o Clube da Esquina, por exemplo. É de 1972 o magnífico álbum em que Milton Nascimento e Lô Borges e toda a turma das Geraes e do mundo se uniram para um dos maiores discos da nossa história. E outros mais, claro. Também é de 72 Arthur Verocai. Começa com uma capa belíssima, e um conteúdo que abraça o que pode haver de “revolucinário” para a época. Há uma mescla contundente de gêneros, ritmos, sons, vocais, sopros, encontro entre o Norte e o Sul, o norte lá do outro hemisfério, o sul daqui, e a poética se desenvolvendo simples e densa. Arthur no já distante início dos setenta pode ser ouvido hoje, segunda metade dos anos dez do século XXI, como se fosse lançado ontem. Disco extraordinário. Ei-lo na íntegra.

Floreal Ruiz y el tango

Hoje, mais dia em que o calendário marca 26, completando dois anos e quatro meses da partida do meu pai. Os adjetivos para a saudade parecem esgotados em meu pequeno vocabulário e os recursos para encontrá-los se tornam mais distantes. A lembrança, jamais. Então, o Marcelo Fébula, argentino de Buenos Aires, que conheci nas lides do Hipódromo do Cristal, graças ao meu irmão Mário, e veio a se tornar um grande amigo por afinidades várias, entre elas o turfe, a música, o jornalismo, a literatura. Marcelo teve curta convivência com o “viejo” Rossano. E nasceu uma profunda admiração mútua, que Marcelo cultiva até hoje. E isso me traz o universo multifacetado do turfe, tantas e muitas vezes visto como um local apenas de jogo de azar. Não é. Há muita vida dentro deste mundo que escrever agora não há como. Hoje, dia em que a saudade se instala com maior intensidade, deixo um texto sobre Floreal Ruiz e o tango, que o pai amava, escrito pelo incansável e talentoso Marcelo como uma homenagem ao Mário Rossano que ele conheceu. Gracias, amigo.

Floreal Ruiz

Escutar ao “Tata” Floreal Ruiz é como estar na mesa de um bar conversando tranquilamente com um amigo. Um amigo que conta historias cantando, enquanto fuma um cigarro e toma café olhando passar a vida pela janela. Sua absoluta naturalidade para cantar, sem nenhum esforço, com perfeita afinação e profundo conhecimento da letra interpretada, foi talvez o melhor exemplo daquele conselho que o Gordo Troilo dava aos cantores: “Ao público há que contar-lhe, não cantar-lhe.”
 
Nasceu em Buenos Aires, no bairro de Flores, em 29 de março de 1916. Filho de José Ruiz e Rosa Raimundo. O nome dele e de seus dois irmãos, Fraternidad e Libertario, falavam da ideologia anarquista do pai, muito difundida na classe obreira em princípios do século XX em Argentina. Seu primeiro apelido foi “Piruco”, e desde pequeno misturou os estudos primários com as brincadeiras infantis pelas ruas do bairro e a paixão pelo futebol (era fá do clube Independiente). Herdou o oficio de estofador de seu pai, e também trabalhou como entregador de pão e leite tentando ajudar a fraca economia familiar. As vozes de Carlos Gardel, Agustín Magaldi e Ignacio Corsini que saiam de fonógrafos e rádios alimentaram seus sonhos de cantor, e era um dos escolhidos pelos amigos para dar serenatas às meninas do bairro. Mas o pai não gostava daquela vocação do filho, por isso Floreal, que enquanto trabalhava não perdia nenhuma oportunidade de se apresentar nos concursos de cantores, utilizava pseudônimos como Fabián Conde ou Carlos Martel. Em 1936 ganha um concurso em Radio Fénix e pouco depois ingressa na orquestra de José Otero, com quem atua em Radio Belgrano e Radio Pietro. Desses tempos (1938) são uma gravação onde canta a marcha do clube Platense e breves atuações na Orquestra Armenonville de Alberto Mancione.
 
Alfredo De Angelis, nome importante na história do tango (sempre encontrei o som de sua orquestra muito desagradável), incorpora ao Floreal em 1942. Assim, com só 26 anos de idade ingressa pela porta grande do tango como cantor de uma das orquestras mais exitosas, trabalhando em cobiçados redutos do género como o Café Marzotto, importantes rádios como El Mundo, e chegando as gravações com grande sucesso.
Quando o Francisco Fiorentino, cantor emblemático da orquestra de Troilo, deixa a agrupação, o outro cantor, Alberto Marino, faz gestões para a contratação de Floreal, seu amigo. Nasce então, em 1943, um dos binômios mais impressionantes da historia do tango: a voz de Floreal Ruiz acompanhada pela grande orquestra de Aníbal Troilo. Binômio que no ano seguinte começa a deixar em discos do selo RCA Víctor algumas versões imortais como: “Marioneta”, “Confesión”, “Flor de Lino” ou “Romance de Barrio.” A orquestra, onde Floreal também integrou grandes duetos vocais com seus colegas Alberto “Tano” Marino e Edmundo “O Feio” Rivero, era solicitada pelos mais importantes locais do tango, as rádios de maior difusão e os clubes organizadores dos maiores carnavais da cidade.
Aquela etapa chegou até 1949, ano no qual o diretor Francisco Rotundo lhe faz uma oferta suculenta e o contrata. Nessa nova agrupação Floreal tem como colegas a Enrique Campos e Carlos Roldán, e deixa junto ao primeiro uma antológica gravação do tema “El viejo vals.”
Dissolvida a orquestra de Rotundo por falta de trabalho (o diretor estava publicamente identificado com o partido político destituído no golpe de estado de 1955), em 1956 Floreal é contratado pelo diretor José Basso, ex-pianista da orquestra de Troilo. Compartilhando cena com colegas como Oscar Ferrari, Alfredo Belusi, Jorge Durán, Alfredo del Rio e Roberto Florio, nesse período o Tata deixa quarenta temas gravados nos selos Odeon e Music Hall.
No começo do declínio da época de ouro do tango, quando as orquestras mudaram para conjuntos instrumentais mais pequenos, alguns cantores exitosos tornaram-se solistas para não perder protagonismo. O caso mais claro foi o do uruguaio Julio Sosa tendo ao Leopoldo Federico como diretor da orquestra que lhe-acompanhava e marcando esse novo caminho. Floreal, por sua parte, escolheu para a nova etapa solista ao mestre compositor e arranjador Osvaldo Requena, com cuja orquestra fez gravações para o selo Microfón e frequentes apresentações nos sinais 9 e 11 de televisão.
 
            O apelido mais perdurável do cantor (também chamavam-lhe “O Galego”) nasceu naquela época em que começaram a chegar a Argentina ofertas desde Colombia, Venezuela, Mexico e outros lugares de Sul-América para figuras do tango, género muito apreciado nesses países. Em uma turnê feita por um grupo de intérpretes, Floreal, conhecedor do pouco que dura o salario no bolso dos jovens, propôs fazer a coleção do dinheiro de todos e distribuir-lhe quando ficassem de volta em Buenos Aires. A proposta foi aceita, já que ele era o homem mais sério e mais respeitado do grupo. Todos sabiam que os bilhetes estavam bem seguros nas mãos do Velho, que não permitiria que voltassem sem dinheiro para suas famílias. Assim foi que uma noite o cantor Mario Bustos disse na porta do hotel a duas mulheres que o acompanhavam: “Um momento, vou pedir a Tata Deus alguns pesos.” (no campo argentino, carinhosa e respeitosamente a palavra tata e sinónimo de pai). Aquela ocorrência de Bustos foi muito comemorada e Floreal, homem de boa índole, com experiência e idade para ser considerado um pouco o pai de todos, aceitou de bom grado seu novo apelido.
 
            Realizou suas últimas gravações com a Orquestra Típica Porteña, dirigida pelo bandoneonista Raúl Garello. Sempre lembro uma reflexão de meu amigo Tito Badín respeito daquele último trabalho discográfico: “Quando ele terminou de gravar a última música, disse: “Pronto! Fechem o caixão!” É que o Tata nesse tempo tinha só um fio de voz. Mas o trabalho é notável porque mesmo assim permanecem inalteráveis seu grande poder expressivo e sua afinação. Em 1975 sua saúde tinha-lhe dado um primeiro aviso. Era um homem de sessenta anos com quarenta de carreira artística desenvolvida na noite que fumava quatro maços de cigarros por dia, excesso que também tinha na hora de comer e beber. Mas apesar das indicações dos médicos, família e amigos, que lhe convidavam a abandonar o trabalho, continuou cantando, fumando e fazendo honra a sua paixão pela boa comida. Pouco depois de seu 62 aniversário as complicações de saúde tornaram-se sem volta. Assim, ainda jovem, subiu para o céu dos cantores.
Ao longo de sua carreira artística o Tata fez um total de 148 gravações com as orquestras de José Otero, Alfredo De Angelis, Aníbal Troilo, Francisco Rotundo, José Basso, Osvaldo Requena, Raúl Garello e Jorge Dragone. Gravou nos selos Odeón, RCA Víctor, Pampa, Music Hall, Microfón y Alanicky.
 
            Aqui lhes deixo quatro joias em jeito de introdução à arte de Floreal Ruiz. Nestes casos, acompanhado pela orquestra do Gordo Aníbal Troilo.
            
 Marcelo Fébula
 

Toots Thielemans & Horacio Salgán

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O belga Toots Thielemans e sua harmônica estão dentro de cada um de nós com sua sensibilidade e virtuosismo. Um instrumentista que esteve lado a lado com os “craques” do jazz e sempre foi um mestre. Não foi apenas para muitos se não para quase todos. Toots gravou o disco da capa acima. Música brasileira. Em “Blusette”, voz e violão e assovio. Está presente em todos os nossos dias.

Horacio Salgán, argentino de Buenos Aires outro mestre da sensibilidade. Um músico da vanguarda do tango. Com Ubaldo De Lio, ao violão, formou um duo extraordinário. Deu uma nova dimensão ao tango, reescreveu cada uma de suas harmonias. Piazzolla o admirava. Ouvi-lo é entrar em um universo puro de sonoridades e afetos.

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Ambos partiram neste agosto. Todavia, permanecem cada vez mais densos em nossas artérias e corações.

Vangelis: Heaven and Hell

Vangelis

O grego Vangelis Papathanassiou é uma bela síntese da chamada New Age. Compositor fértil, deu seus primeiros passos na emblemática Aphrodite´s Child, onde também estava Demis Roussos e sua voz magnética. Todavia, com o fim da banda e sua ida para Paris que sua vida se movimentou para o lado de compositor. E criativo com os múltiplos instrumentos que toca. E em território francês também nasceram suas criações para trilhas de filmes. mais tarde, no início dos anos 70, em Londres, grava Heaven and Hell onde é o protagonista total: toca todos os instrumentos em um disco de grande profundidade musical e estética, daqueles que se ouve com calma e sem pressa. E mescla com o eletrônico, sintetizadores e passa a ser reconhecido como um grande talento. O Yes após a saída de Rick Wakeman pensou seriamente nele. Porém, com o grupo de rock progressivo veio a parceria com o seu cantor Jon Anderson. Seu trabalho mais conhecido talvez seja a trilha para Chariots of Fire e Blade Runner. Sempre é muito bom ter Vangelis e sua capacidade inventiva por perto. É tranquilidade certa.

Bob Marley & The Wailers

bob marley

O jamaicano Bob Marley é sinônimo de reggae e isso não é nenhuma novidade. Junto com Peter Tosh e Bunny Wailer consolidou a profissão de fé na paz e no rastafari com sua sonoridade única e definitiva. Não ficou restrito a sua Jamaica. Grandes nomes do universo da música visitaram e visitam sua obra. Eric Clapton tem o crédito de Marley em um dos seus maiores sucessos: “I shot the Sheriff”. Ou o clássico “No woman no cry”. Daí para o mundo foi um passo largo como os de Usain Bolt em busca da linha de chegada. Mesmo após sua morte em 1981, Bob Marley é um nome eternizado, e mantém seguidores de seu estilo inovador e profundo para o reggae. Marley é um dos nossos infinitos.

Foto: brillerensociete.blog.lemonde.fr

Elvis Costello: North

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Elvis Costello, nome que alcança a sensibilidade, o talento e a ousadia com a mesma intensidade. Deu certa dinâmica ao rock ainda nos anos 70, derivou para outros gêneros sem deixar de lado suas virtudes, fez parcerias com Paul McCartney, gravou com Burt Bacharach um disco memorável, e segue com solos que mexem com nossas peles. North é um exercício pelo jazz, pelo tradicional, por um sutil pop-clássico elegante e com arranjos criativos. É Elvis Costello à vontade.

Belle & Sebastian: Write about love

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A Escócia tem no Belle & Sebastian uma referência para o índie folk e mais um ou outro gênero semelhante. Stuart Murdoch e Stuart David ainda na segunda metade dos anos 90, sob influência dos Smiths, se encontraram e as gravações demos também. Depois, agruparam-se outros instrumentistas e vocalistas, uma gravadora de mais peso, e discos bem densos e de muita riqueza musical. É, sem dúvida, um grupo diferente em seu melhor sentido, e com um horizonte ensolarado.