A tarde de sábado, quando o sol aquecia o que ainda restava do frio da manhã, foi a despedida de Mario Rossano. Nome de brilho na história do turfe brasileiro, em particular do Rio Grande do Sul, cruzou a linha de chegada de sua última corrida. Seu legado como profissional – jóquei e treinador – aponta vitórias memoráveis que passam de geração em geração de turfistas, tornando-o uma lenda desde os tempos em que recém chegado de sua Rio Grande natal aqui fez sua morada. Clássico, famoso por ser um ponteiro quase imbatível, foi sobretudo um extraordinário jóquei em qualquer distância que tivesse que cumprir com suas montarias. Na história do Hipódromo do Cristal é nome eterno: venceu a primeira corrida disputada, com Duelo. Mario Rossano, acima de tudo, foi um homem que viveu intensamente suas duas grandes paixões: os cavalos de corrida e a família. E, através deles, e da história do turfe, seu nome sempre será uma estrela cujo brilho ilumina todas as “raias” de areia e grama da vida.
Chronosfer colheu depoimento sobre sua vida quando completou 80 anos em 2011. Em sua homenagem, o publicamos na íntegra:
MARIO ROSSANO: JÓQUEI DE PONTA A PONTA
Meu pai tinha cavalos de carroças e gostava de cancha reta, nascido no Uruguai e lá veio com uma tropa de cavalos para vender ao Exército e aqui veio, casou e ficou. No verão, a família ia para o Cassino, pois na época era muito difícil conseguir emprego, então comprou um pedaço de terra e começou a vender leite, carne aos veranistas. Nasci no Cassino por isso, a família trabalhando e em dezembro, verão nasci. Em 41 minha mãe faleceu, e meu pai foi trabalhar no Swift e eu e meus irmãos fomos para o colégio dos padres salesianos. O destino é caprichoso, eu já era apaixonado por cavalos. Meu pai teve um acidente, ficou muito tempo no hospital, e nós internos e em um domingo que reservo ao destino, os padres nos levaram a passear, naqueles antigos bondes abertos, e nos levaram ao prado da Vila São Miguel. Eu fiquei transtornado, não sei a expressão que digo…desde sete, oito anos montava os cavalos lá nas retas do Cassino….olhei os cavalos, os jóqueis fardados e era assim, o número um era blusa branca, o dois vermelha, o três azul, o quatro amarela….fiquei ainda mais apaixonado. No dia seguinte, no momento da missa disse ao meu irmão mais velho, Antônio, que iria fugir, a porta abriu e saí. Fui em direção ao prado pela estrada do Coester, que existe até hoje, e levei o dia inteiro caminhando para chegar. Vi uma casarão, na Vila Matadouro, que era uma cocheira, estava um rapaz trabalhando e entrei e pedi para trabalhar. Pelo meu tamanho não fui aceito, mas chegou um castelhano,que era treinador, Darci Casser, e disse que pela casa e comida poderia ficar. Fiquei. Limpava as cocheiras, esse tipo de trabalho. Em 42, minha irmã, coisa do destino mesmo, casou com um ex-jóquei e então treinador, Dirceu Antunes, que me empurrou ainda mais para o prado. Meu pai estava saindo do hospital e quando soube que havia fugido, me levou de volta ao Cassino e retornei ao colégio. No verão daquele ano, um senhor chamado Luis Pelhos, representante da Vinícola Garibaldi, de Pelotas, e era amigo do meu pai me levou para lá, para sair do prado e estudar. Mas,antes, eu andava nas cocheiras do Dirceu e um dia montei uma égua chamada Madresilva e fui até onde era realizados os treinos e meu cunhado não gostou e ele mandou a égua de volta para a cocheira, esse o detalhe extraordinário, mandou a égua e ela voltou, eu gritando, e quando chegamos o portão estava fechado e ela parou e eu cai. Ela abriu e entrou. No dia seguinte eu já estava levando os cavalos para caminhar na água, pois em Rio Grande se faz muito isso para curar os boletos, os joelhos….
Em Pelotas, ia estudar não lembro se no Gonzaga ou Pelotense. Era época da Guerra, e atiravam muitas pedras nas casas dos alemães,a gurizada fazia isso e eu entrava junto. Certo domingo, nos levou a passear e vai justamente à Tablada. Estava me seguindo o prado….Na segunda pela manhã a esposa desse senhor me pediu para levar a correspondência para ele no escritório e no meio do caminho voltei ….era fevereiro ou março, ainda não havia começado as aulas e o que fiz? como tinha algum dinheiro no bolso, peguei o saco de roupas, hoje é a mochila, e fui para ferroviária. Não tinha trem, mas passaria um carro-motor vindo de Bagé as oito da noite. Fiquei o dia inteiro esperando. Quando cheguei, minha irmã quase enlouqueceu. Três ou quatro dias depois, meu pai foi visitar o neto recém-nascido, ele me levou de volta ao Cassino. E me disse que se eu quisesse ficar com os cavalos que fosse para o Chuí, onde havia uma fazenda de uns amigos dele. Pensei em fugir de novo, mas não foi possível, não lembro bem, mas a minha irmã chorou e acabei ficando nas cocheiras do senhor Miguel Pereira na Vila São Miguel. Já tinha treze anos quando o Dirceu, conhecido como Morcilhão, levou cavalos para correr em Pelotas. Fiquei em Rio Grande, até que um dia chega um senhor e me leva para correr cancha-reta, tiro livre, lá no Senandes. E ganhei. Foi a primeira corrida e a primeira vitória, mas não vale, era apenas cancha-reta. Um jóquei, Ademar Cunha, o Chilinga, e resolveu inscrever uma égua que trabalhava todos os dias, Alfaciana, o peso era 44kg e não tinha jóquei com menos peso e a minha irmã disse “bota o Maruca”, e tirei a matrícula de aprendiz de terceira. Foi a primeira vez que montei, isso em 44, ainda com doze anos, não tinha bota e pedi ao Dinarte, colega de trabalho, também aprendiz que me emprestou depois. Tem uma fotografia dessa primeira vez que montei e eu estava sem as botas. Minha primeira corrida oficial como jóquei em Rio Grande. Tu era muito difícil, longe.
As montarias dependiam dos treinadores, se gostavam da gente e trabalhávamos para eles, mas era difícil e era como é hoje, ir cedo ao hipódromo e trabalhar.
A premiação era muito baixa, nem sei dizer o valor exato, o da montaria e os 10% da comissão quando vencia.
ANTES DE PORTO ALEGRE, AINDA RIO GRANDE
A vinda para Porto Alegre foi porque me transformei em um meteoro. No mês seguinte à matrícula, o meu cunhado, já passada a raiva, eu não havia seguido os estudos, eu tinha comigo isso de montar cavalos. Naquele mesmo mês montei uma égua complicada, que desgarrava e eu montava sem fazer nenhum esforço, a Indiana, o nome mesmo era Buena Blanca, pois era uruguaia ou argentina. Foi inscrita em uma prova de 1700 metros, e foi leve e me escolheram para montá-la. Dois jóqueis extraordinários na época montavam no páreo: Wilson Rodrigues e Roberto Arede. E o que eles
diziam é que a égua iria desgarrar como “esse gurizinho” e esperaram na primeira curva para passarem por dentro. Na largada, tomei a frente, fiz a curva perfeita, sem um único palmo para fora e os que estavam atrás não conseguiram passar. Ganhei de ponta a ponta. Foi a primeira vitória, não esqueço jamais. Como aprendiz fiquei um mês, estava sempre ganhando corridas, naquele tempo elas eram somente aos domingos. Passei a jóquei rápido porque para deixar de ser aprendiz precisava 15 vitórias, era assim antes, e com dez vitórias pedia dois quilos em relação a categoria profissional. Então, passei a jóquei muito rapidamente. Bom, o Grande Prêmio Cidade de Rio Grande era (é) em fevereiro e iam à Vila São Miguel proprietários, jóqueis, cavalos do interior e da capital. Nesse dia montei quatro ou cinco cavalos e ganhei três carreiras, com Quati, de propriedade do senhor João Arede, pai do Roberto. Montei Alfino, também de propriedade dele e da dona Joaquina, mãe do jóquei, e ganhei com Gaúcho e essa vitória foi fantástica. Era um cavalo de cancha-reta, mestiço, e como iria com pouco mais de 40 quilos, me puseram nele. Tomei a frente, ele era muito ligeiro, eu levava uma cinta de chumbo para completar o peso, e um dos jóqueis me disse que correria 500m e iria parar e eu ganhei de ponta a ponta. Transformei-me em um jóquei ponteiro. As distâncias eram a partir dos mil metros até três mil. As provas clássicas era mais longas.
No Moinhos de Vento tinha provas de 3.200 metros. Depois, foi proibido.
Mas, voltando ao dia do Grande Prêmio, à noite, no café onde se reuniam os turfistas, torcedores de futebol, eu estava com os amigos feliz por haver ganho as corridas, e me procuravam para saber como havia ganho porque eu era muito pequeno e chamava a atenção. Os proprietário de Porto Alegre me procuraram para que eu fosse para a capital. Um deles, não esqueço nunca, foi da família Andreatta, dos Galgos Brancos, Catarino Andreatta e o seu irmão Júlio. Eles me convidaram imediatamente. Haviam levado um cavalo para o Cidade, Lorencino, montado pelo Dario Moreira. Meu pai não deixou pois eu era muito pequeno e tinha quinze anos. Fiquei mais um ano em Rio Grande.
No ano seguinte, conheci de perto a morte. O treinador Longuinho Pereira levou um cavalo para correr o Grande Prêmio e ganhou, montado pelo Arede. Ele queria que eu também fosse para Porto Alegre. Na segunda-feira pela manhã o trem, que trazia os cavalos de Pelotas, e voltava, e foram em grande quantidade. Pediram que fossem às cocheiras para avisar a chegada do trem para embarcá-los. Chovia muito, era dia de Navegantes, e minha irmã pediu que fosse ao armazém e pedi ao meu cunhado um cavalo para ir. Estava fazendo compras no armazém o cavalariço de Pelotas, e saímos juntos, e aquela coisa, ele perguntou qual era o melhor cavalo e disse que era a dele. O nome da minha era Naia, a dele era grande, não recordo o nome. Fomos ver qual era a melhor égua, na estrada, e os dois correndo lado a lado e ele me passou e tirei para fora. Quando dobramos a curva do hipódromo, que vai para a cidade, no entrocamento, e eu gritei que vinha um caminhão. Ele não saiu da estrada, então o empurrei para fora e o caminhão me pegou de frente. Quase tirou minha cabeça fora. Tenho a cicatriz até hoje. Fui salvo pela Santa Casa, operado por um médico uruguaio. Foi um acidente grave, seis meses de hospitalização, e lá me disseram que nunca mais montaria. Para assombro de todos, passados esses meses, estava montando novamente. Isso foi em 1946.
O seu Longuinho retorna a Rio Grande, me vê vencer diz que “agora levo esse guri para Porto Alegre porque é jóquei para Rio de Janeiro, São Paulo”. E assim, fui para Porto Alegre.
PORTO ALEGRE
É outra coisa que não esqueço e hoje não existe mais, foi o transporte de Rio Grande para Porto Alegre, com o navio Cruzeiro. Era uma maravilha. Saímos a uma da tarde e chegávamos na manhã do outro dia. Quando cheguei, fui almoçar no Treviso, no Mercado Público.
Estreei em 1947 com um cavalo de propriedade do senhor Marcílio Camiza, Stud Três de Março, tirei terceiro lugar com Urano, nas corridas de sábado. Domingo fiquei em segundo com uma cavalo do Longuinho Pereira. Na época não havia escola de aprendizes, quem formava o jóquei era o próprio treinador e ele podia ter um aprendiz em sua cocheira e mais, o aprendiz não podia montar contra a cocheira. Isso me dificultou muito, pois tinha jóqueis como Eldi Rocha e ele era o preferencial, com isso eu não tinha montaria. Um dia, o senhor Elias Machado de Oliveira, saudoso treinador, pai do senhor Ary Feijó de Oliveira, me chama e ganho para treinar uma égua chamada Joanita, junho de 47, e ele me disse que a inscreveria e a montaria seria minha. 1700 metros. E enfrentando Mario Oliveira, Ganganeli Cunha, Dario Moreira, jóqueis vencedores e eu tinha no máximo tirado segundo. Como ainda não tinha ganhado nenhuma corrida, já queriam me mandar embora. Em quatorze páreos era minha única montaria, no sábado, e ganhei por uma cabeça do Mario Oliveira. Na semana seguinte fui chamado por Elpídio Correa, treinador do stud Cuzeiro do Sul do doutor Mario Difini, para montar uma égua chamada Irapiranga. Ganhei de ponta a ponta. Logo depois, o senhor Eugênio Gandini me chama:”Yo voy a dar una montaria de uno cavallito ruim, pequeño”. Ele disse: “Se vá a la ponta. Así correm los ponteros, no fujas nas retas, deixa chegar perto, no fujas, siempre esperando, esperando, solo em el final se puderes, toca nos 100 metros, así é que se ganha los ponteros”. Era argentino. Ele me deu essa luz espetacular que me fez vencer sempre de ponta a ponta. Começou a fama de ponteiro. Passei a ser procurado por treinadores e proprietários de cavalos ligeiros. Claro, tinha outros jóqueis ponteiros famosos como Francisco Xavier, que era extraordinário. Eu ainda era aprendiz, depois tive uma montaria que jamais imaginei que teria. O senhor Atílio Los Tedesco, importador famoso, trazia cavalos do Uruguai, da Argentina e trouxe um chamado Confesso, foi o primeiro grande craque que montei em minha vida. Veja a felicidade de um aprendiz, ainda da primeira passagem, em 48, ganhar a montaria desse cavalo. A distância era de 1.800m e eu não sabia o que fazer pois estava encantado com o convite, pensava que era apenas para trabalhar. No dia da corrida ele me disse “faça o que o cavalo quiser, toma a frente e não fuja 100m, fuja no final.” Ele ganhou por distanciamento, foi tão longe que havia pensado que os outros tinham parado na partida e só eu fui. Daí em diante sempre que aparecia um ligeiro me chamavam. Em 48 era difícil, o Moinhos de Vento tinha grandes jóqueis. O treinador carioca Ari Vasconcelos estava aqui para o Bento e me chamou para o Consolação. O doutor Sisson era o proprietário e ganhei outra oportunidade e fiquei sem ter o que dizer. A montaria era do Ibagé, uruguaio, 2.500m, veio a crítica e estão correndo até hoje atrás dele. Ganhei de ponta a ponta da Cubanita, que era craque, havia vindo para o Bento montada por Armando Rosa, o homem das avenidas, e ganhei dele. Eu não era jóquei para correr somente distâncias curtas, mas também as longas, é uma questão de técnica e conhecimento. Já advertido por treinadores competentes e conhecedores como foi o caso do Eugênio Gandini, depois com o senhor Atilio Los Tedesco, que trouxe uma infinidade de craques para todo o Brasil.
Depois que estava aqui, veio o Eloré Raymundo, mas antes havia vindo o Dario Moreira, que se transformou em um extraordinário jóquei e logo foi para o Rio de Janeiro. O Arede esteve em 45 e voltou a Rio Grande e mais tarde veio em definitivo. O Wilson Rodrigues, Edgar Machado, Milton Pires jóqueis de lá que também vieram. Poucos “vingaram”. Da família apenas o meu irmão Hélio, mas ele era enfermeiro militar e era pesado e grande e para jóquei não dava.
Cavalos de Rio Grande para Porto Alegre não vinham muitos, mas de Porto Alegre para lá sim, principalmente em fim de campanha. Iam somente na época dos grandes prêmios tanto em Rio Grande quanto Pelotas, Santa Maria.
JÓQUEI QUE O INFLUENCIOU
O Dario Moreira, foi extraordinário e lá do Senandes, filho do seu João Moreira, o João Sabe Tudo, porque sabia tudo de carreira. O Dario foi uma influência.
OS MAÇETES DAS CORRIDAS
A gente claro que falava um para o outro, assim como o jogador de futebol bate na bola, como deve bater, jogar, é claro que nos falávamos que um corria assim, outro daquele jeito, como se defender, como os jóqueis de freio correm sentado, lombo normal, então tem maior defesa, ter mais recursos, e outras coisas que se ouvia falar de se fazer isso ou aquilo, mas tinha sim jóqueis extraordinários como o Solmar Patron, uruguaio, corria sentado, se abaixava no cavalo e quando o outro encostava nele, habilmente tirava o pé do estribo e empurrava o outro, quer dizer, encostava nele mas não passava nunca. Essas são algumas defesas, como esse senhor que me disse quando montei o cavalo Chimango, ele me disse que tirasse para fora na curva, pouca coisa, pois quando o outro encostasse eu virava com o próprio corpo e minha perna trazia para dentro e consequentemente ele dava uma rabanada na paleta do outro e o jogava lá fora e já tirava dois, três corpos de vantagem e assim era jóquei ponteiro, mas isso é mau jogo. Um dia no Moinhos de Vento, foi engraçado, eu montei um cavalo chamado…, esqueci o nome, mas era muito ligeiro, e tinha outro, o Navarino, o meu acho que era Monte Claro ou Monte Branco, e proprietário me disse para tomar a frente e ir embora. Eu confesso até hoje que esse jóquei me bateu quando passamos o vencedor, porque usei o expediente da rabanada na curva, mas eu não fiz, aconteceu. Eu vinha na frente, sempre com um, dois corpos, e o outro me perseguindo, quando na curva dos 500m finais, na Baixada, ele se aproximou, vi quando se estava chegando e levei com meu corpo para dentro e pegou a paleta do cavalo dele e subiu a cerca. Ganhei e ele me disse, quando passamos o vencedor, “vou te ensinar a esperar um homem velho na curva” e me deu um laço nas costas. Não fui à Comissão de Corridas porque ele seria punido, eu era aprendiz, tinha ganho a corrida, e me bateu. Mas, não fiz como nunca fiz maldade para ninguém, me defendia sim, mas não assim.
O DIA-A-DIA DO MOINHOS DE VENTO
O Moinho de Ventos era o maior hipódromo do mundo, o maior menor hipódromo do mundo. Uma família junto da outra. Era como um circo, tinha mil metros em volta fechada e em torno ficavam as cocheiras. Ficavam cada em suas cocheiras, não como nos grandes hipódromos que se reúnem manhã cedo. Lá estava dentro da cocheira, estava dentro da pista. Havia maior convívio entre todos diferente dos hipódromos de hoje. E tinha moradia para todo o mundo. Quanto mais o treinador e o jóquei estiver com o cavalo melhor é. Os tempos mudam, modernização, até os cronômetros não são mais como os de antes.
EXPERIÊNCIA COMO JÓQUEI/TREINADOR
Foi isso em 1952. Era treinador o senhor Longuinho Pereira, Stud Rio Grande, e ele foi para São Paulo levar vários animais para correr lá, e seguir a profissão por lá. Levou uns vinte, trinta cavalos e precisava de um treinador aqui para os cavalos do Stud Orlandini, José Guido Orlandini e ele me perguntou se eu queria ficar como treinador. Eu era jóquei, bom e ganhador, destacado, era líder da estatística. Eu não podia deixar de jóquei naquela época, era muito jovem ainda com vinte e um anos. Perguntei à Comissão de Corridas se podia ser jóquei/treinador e a resposta foi sim. A única exigência foi a de não poder montar cavalos contra os meus. Ficou encrencada a coisa, como líder da estatística e venci em 52, mas chegou 53 e não dava mais para ser os dois porque estava perdendo muitas montarias. Desisti de ser treinador e perdi muito tempo por isso e montarias de craques, e a possibilidade de vencer a estatística daquele ano.
A IDA AO RIO DE JANEIRO
Fui montar em 51 o Umbú no Grande Prêmio Cruzeiro do Sul, do doutor Sisson. Fiquei montando por lá, mas não fui nada bem. Foi muito difícil, se eu tivesse chegado ao Rio como aprendiz aí teria dado certo, nem jóqueis de São Paulo na época conseguiam. Isso porque haviam jóqueis contratados pelos grandes proprietários como Lineu de Paula Machado, o Seabra, Peixoto de Castro. E quem eram esses jóqueis? Nada mais nada menos que Osvaldo Loa, extraordinário, campeão, chileno, Elígio Castilho, Dario Moreira, Luis Dias, vencedor do Grande Prêmio Brasil, também chileno, Domingos Ferreira, que era jóquei da Tiroleza. E o maior de todos os tempos: Luiz Rigoni. Era muito difícil para um profissional sair do Rio Grande do Sul, naquele tempo, e vencer. O Dario foi cedo, mas sofreu antes de ser vencedor. Eu não tinha muitas chances. E outro aspecto, lá eles correm de bridão e eu era freio. Não tinha cavalo para jóquei de freio. Tive um colega francês de infortúnio, éramos constantemente criticados pela imprensa, Marcel L´Ollierou, que veio para montar para os Peixoto de Castro e também era vaiado como eu. Lembro de uma passagem em que fui montar Gaita de Ouro, daqui do Sul, do senhor Breno Nunes Dias, e quando fiz o canter, era um clássico, recebi uma bola de papel no rosto além de outras palavras.
Cheguei com muita fama e à medida em que o tempo passava não fui adiante e por isso as vaias e críticas.
No Cruzeiro do Sul perdi porque o cavalo não conhecia a pista de grama. Eu também não conhecia, e larguei mal e ninguém me advertiu, nem o próprio Dario que montava no páreo, que não era o melhor caminho a raia de dentro. Larguei mal e na primeira curva do Flamengo, na reta oposta, eles desgarraram e eu, pensando que estava fazendo uma grande coisa, entrei por dentro, abriu a brecha e fui. Depois vieram todos para dentro e fiquei em um caixão sem poder sair até o meio da reta final , quando saí e tirei para fora e tirei quinto lugar em um páreo com dezesseis cavalos. Uma grande corrido do Umbú com uma péssima direção minha. Mais tarde o Dario veio me dizer que não era para entrar por dentro, que era um atolador, e disse que deveria ter dito antes, não depois da prova.
Isso é do turfe. Em novembro vim a Porto Alegre para montar o Gargantin no Bento Gonçalves, onde fiquei em terceiro. Fiquei de vez aqui, mesmo já com um contrato encaminhado com o Stud Serra Verde. Eles realmente gostaram muito de mim, montei uma égua francesa, Leonora, em um clássico e me mandaram contratar. Não me arrependi, formei família, continuei ganhando.
CAVALOS E JÓQUEIS
Minha corrida inesquecível foi o primeiro Bento que montei e um favorito: Estreiante. Perdi em uma corrida acidentada, eu vinha em segundo e na entrada da reta o Astuto, dirigido pelo Carlos Neto, fraturou a mão direita dianteira e quase caiu na minha frente. Tive que parar, ele vinha por fora, colado em mim, e ao parar fui ultrapassado por quatro ou cinco e cruzei a linha de chegada em quinto. Venceu o Acheron, que achávamos inferior ao nosso cavalo. O Rui Gomes montava Alceste e me prejudicou, pois quando fui tirar para fora encostou não deixou eu sair do lugar. Poderia ter acontecido um acidente grave.
Tive grandes montarias e craques como Confesso, Gargantin, com quem venci prova da Tríplice Coroa, Stradivarius, um invicto por muito tempo sempre dirigido por Ganganeli Cunha, e pertencia ao senhor José Guido Orlandini. Havanês, Albornoz, Perfídius, terceiro no Protetora de 48, que perdi porque avancei antes do tempo. Os anos passaram e surgiu Lord Chanel. Para mim, um dos melhores cavalos brasileiros, não tinha prova em que não estivesse entre os três primeiros. Muito difícil de conduzir, tinha uma balda e diversos jóqueis não conseguiram fazer com que corresse o que realmente corria, o próprio Francisco Xavier, que era ponteiro não deu certo. O Arede o montava quando rodou no sábado e o tordilho estava inscrito no clássico de domingo. O treinador Mario Oliveira me convidou a montá-lo e logo me adaptei a ele. Descobri sem querer que Lord Chanel não gostava de apanhar, pois quando levantei o chicote ele quis morder o chicote, e assim venci várias vezes com ele incluindo clássicos, dois Protetora do Turfe. Montei Estensoro, que perdeu comigo na estreia, mas foi estreia, mais tarde o doutor Breno Caldas escreveu que perdi porque bati no cavalo. Não bati, se tivesse batido ele teria vencido. Ficou essa marca de ter vencido todas as provas menos a que foi dirigido por mim. Tem a Dálmata, com quem venci o Protetora de 57, cinquentenário da Protetora do Turfe. Chovia muito e bateu o record. Ela ela azarão e todo mundo afirmava que não era de correr no barro. Páreo cheio, 17 ou 18 concorrentes, e o que muita gente não sabe ou não conheceu, a raia do Moinhos de Vento tinha 30 metros de largura, e no partidor não tinha lugar para todos, largamos praticamente em duas filas, fiquei atrás, aliás, eu havia declarado à radio Difusora que correria os primeiros 1.200m na retaguarda, e nos seiscentos finais iria para cima para vencer. De fato, aconteceu assim. No encerramento do Moinhos de Vento montei Tributada, e o proprietário queria fechar com vitória o pradinho. Perdi nos últimos pulos para Ouroselva na última corrida do Moinhos.
Outros nomes como Rio Volga marcaram muito. E tem o Malvin. Tive dois cavalos extraordinários nessa relação que um repórter do Diário de Notícias citava: jóquei/cavalo, cavalo/jóquei: Quinteiro, tordilho, ele bateu verdadeiros craques como Dançarino, Divino. Divino ficou longo tempo invicto e foi se bater com o Quinteiro em um clássico em 1.700m. Foi um mano a mano sensacional. Tomei a ponta, o Divino era dirigido pelo Justino Cuadros. Ele largava na frente e terminava a prova.
Aí, apareceu outro cavalo,ganhou mais de vinte provas, teve vários proprietários. Mas, o mais espetacular foi um páreo em 1.200m contra Old Parr. Montei o Malvin. O Malvin corria muito na raia molhada, onde tinha barro era incrível e o treinador dele, Leonel Pereira, muito hábil, foi bom jóquei, sabendo do gosto do cavalo pelo barro, sábado após as corridas,estávamos nas cocheiras do Leonel, que ficava na altura do partidor da milha, e passa o tratorista para arrumar a pista para o domingo. Fazia dois meses que não chovia, e o carro-pipa molhava a raia, e o Leonel ofereceu ao tratorista 200 contos para molhar a raia a noite toda, mas só por dentro. O Malvin era ligeiro, iria largar e tomar a frente colado a cerca e conduzido por um jóquei mais rápido que o cavalo. No outro dia, todo mundo reclamava que fazia tempo que não chovia e a pista toda embarrada. E veio o clássico. O resultado foi: ponta a ponta, Malvin. No páreo correu um cavalo do doutor Almiro Coimbra, Diabo Blanco, muito ligeiro, montado pelo Domingos Severino. Naquele barro não teve para ninguém, deu uma grita terrível.
O Balancin era de Rio Grande, nasceu em um haras em que meu tio trabalhava, e eu estava lá quando ele nasceu. A mãe dele morreu em um acidente, e nós o criamos, era como se fosse criança, dávamos mamadeira para ele. Ganhou muitas corridas. Filho dos uruguaios Balon e Nervadita, correu no Rio de Janeiro. Antes, porém, ao ser colocado nos leilões em Rio Grande, o senhor Longuinho Pereira ficou com ele. Ele era terrível, me derrubava quando o montava. Veio para Porto Alegre e eu o cuidava, isso em 47, já com 4 anos. Ele me defendia, parece mentira, se contar tudo é de não acreditar. Em 51quando foi vendido para o Rio, e o procurei nas cocheiras da Gávea. Quando me viu, ele estava nas cocheiras de Paulo Rosa, ele relinchou e veio quase em um salto direto em minha direção. Ganhei com ele do Cravete, do Acheron. Acabou indo para o Recife.
INTERIOR
Ganhei com Malvin em Pelotas o Noiva do Mar e perdi com o Lord Chanel para o Luis Peres em uma prova incrível, Não vi a sua aproximação mas não tirei o boné, nem estava festejando. Dessas coisas que acontecem.
CRISTAL
A inauguração do Cristal equivale a um grande prêmio. Ganhei a primeira prova no novo hipódromo e perdi o Bento na outra semana. Foram duas infelicidades, no Bento, uma minha, que é a tal coisa de obedecer, jóquei não recebe ordens, recebe instruções. Como o Lord Chanel era craque era muito assediado por outros jóqueis. Mas, vamos falar do Duelo. Seu proprietário era Nelson Zão, um negociante e vendia cadeiras do Beira-Rio bem mais tarde. Ele me chamou e me perguntou como iria correr pois Duelo era considerado azarão. Disse que podia esperar no vencedor. O treinador era João Santino Vargas. Na semana anterior eu havia ido ao Cristal com o Mario Oliveira ver a raia, já que montava o Lord Chanel no Bento. Uma hora caminhando na raia. Havia excesso de areia, quem fez não sabia o que era pista de corridas. O Mario me disse que tinha que correr colado na cerca interna. Os cavalos não rendiam, atolavam e eu coladinho à cerca, nos últimos 100m fiz correr e passei para frente. Paguei tributo a essa areia dois anos depois com a desclassificação no Bento com o Lord Chanel, seguido de uma punição. É um sentimento, uma tristeza que tenho até o dia de hoje e vou morrer com ela.
Mas, no Bento que perdi venceu o Chaval com o Ricardo que astutamente fez a joqueada que iria fazer por uma razão bem simples: ele estava na minha frente. Perdi porque o senhor Mario Oliveira, mandado pelos proprietários do Lord Chanel, disse insistentemente que eu tinha que correr atrás, quando o Chanel era violento, ligeiro, não se conformava em ficar atrás dos outros, queria ir para frente. Era muito difícil acalmar o cavalo para deixá-los com os outros. Na prova estava o Chaval, cavalo uruguaio, era 3.000m, contrariando as características do tordilhos que no máximo corria 2.400m, mas quando passamos o partidor da milha, eu recolhido em quarto, quinto, procurando a cerca, porque era o ponto que esperava passar à frente e então por fora como um foguete vem o Chaval e o Ricardo encostou na cerca e terminou a prova. Fiquei encaixotado, cheguei em terceiro e como resultado fui barrado porque nem proprietário, nem treinador gostaram e acharam que havia posto fora a corrida. Tudo o que fiz foi obedecer as ordens, se não me dissessem o que disseram antes, correria como sempre, na frente. Depois, no outro ano a desclassificação, dando a vitória para o Argonaço. Volto a falar da raia, que me fez perder corridas, por ser pesada. No Bento de 61 tirei para fora antes de entrar na reta porque o jóquei que corre na frente é visado por todos, se vou por fora, dou espaço por dentro, se venho por dentro, fecho o espaço para os outros, mas eu tinha que tirar para fora porque a cancha do vencedor 300m finais o trator que fazia a manutenção e molhava a raia, mas ficava a marca da roda do trator e ali o piso era firme. Entrei na reta frente, tirei para fora para pegar dos 500m finais aquela marca firme da pista. O Cardoso foi astuto, quando tirei para fora, ele poderia entrar tranquilamente por dentro, tinha espaço suficiente, não podia cortar a frente dele lá adiante, mas ele também tirou para fora, para fora de mim mas nunca me igualou cabeça com cabeça. Ficou sempre atrás, mas amigos do treinador e do jóquei o incentivaram a pedir bandeira verde e o resto todos sabem a história.
Corri várias vezes cavalos do doutor Breno Caldas, com a Estupenda venci um grande prêmio mas depois por não obedecer ordens apesar de vencer perdi as montarias.