O violinista nascido na Letônia Gidon Kremer é apaixonado por tango. É apaixonado por Astor Piazzolla. Move-se entre o bandoneón do argentino e as cordas de seu violino como quem semeia um campo. Um campo de tango e suas variações, que somente Piazzolla foi capaz de ousar criar. Sem medos. Kremer faz com precisão e paixão sua homenagem ao seu ídolo. E mestre. Sua Hommage à Piazzolla oferece frutos generosos para serem colhidos a qualquer instante. Com um agrupamento pequeno, em número, de instrumentistas, o letão não poupa um único sentimento capaz de ser deixado para trás em relação ao que sente e vibra com a obra do compositor portenho. Traz com sensibilidade ambientes que passam do sombrio, da nostalgia ao movimento mais alegre, mais rítmico de tangos que romperam com algumas tradições, com o conservadorismo. Sua leitura da obra de Piazzolla é exata. Sua execução só não é perfeita porque falta Piazzolla tocando seu bandoneón. Passagens como “Café 1930” e “Buenos Aires hora cero” é levar que está em consonância com as músicas aos cabarés, à noite de Buenos Aires daquelas décadas distantes. Passeia pelas temas escolhidos – “Concierto para quinteto”, “Soledad”, “Milonga em re”, “Oblivion”, “Celos” e “Le grand tango” – com tanta naturalidade que de repente estamos juntos em meio ao cinza dos cigarros, as manchas de vinho tinto na toalha já imaculada à meia-noite, à dança sensual e triste a mover-se quando a madrugada ainda respira, e o som do piano mescla-se as palavras desconexas das paixões e dos fracassos. Ao repertório, junta-se “El sol sueño”, a homenagem, composta por Jerzy Peterburshsky. Em Hommage à Piazzolla Gidon Kremer olha o campo semeado e nos convida a maturar seus frutos através das estações criadas por Astor Piazzolla. Convite irrecusável. Convite irresistível. Para escutar de olhos fechados e se deixar transportar para uma Buenos Aires do início do século passado e ao mesmo tempo viver ao extremo toda a transgressão criativa do grande compositor argentino.