Ute Lemper: Punishing Kiss

Punishing_kiss

A escolha é múltipla: canto, teatro, ballet, cinema, teatro, artes plásticas. E todas estão corretas. Ute Lemper é a essência de cada expressão da arte. Sem concessões. Intérprete de primeira linha, as composições de Kurt Weill são um sopro de vida em sua voz. Assim como veste a pele e as entranhas tecidas à sensibilidade de Marlene Dietrich e Edith Piaf. Lemper é, no entanto, uma cantora. E isso é como se pudéssemos atravessar a linha do horizonte e descobrirmos que do outro lado as suas canções continuam pelo mar, pelas montanhas, pelas cidades, pelas estepes. Para quem pensa que seu canto está no passado, Punishing Kiss desfaz qualquer dúvida.

.

Ute+Lemper+-+Punishing+Kiss+-+CD-R(ECORDABLE)-155506

Olhe com atenção o repertório na contracapa do cd. Nick Cave, Tom Waits, Philip Glass, Elvis Costelo. Atuais. Acentuam pontos de rock (participou da montagem de Roger Waters para The Wall em 1990 em Berlim na comemoração da queda do seu muro), de sinfonias, de introspecção, de criatividade.  Em comum, Weill. Todos eles têm suas veias carregadas de composições dramáticas, sombrias, feitas como uma luva para ambientes escuros, para o politicamente incorreto cigarro aceso, quem sabe a cerveja ou o vinho deslizando suave enquanto as notas musicais vão preenchendo os espaços. Não há nada que seja exagero no disco e o acompanhamento do Divine Comedy é magnífico. Ouça com toda a sua pele, coração e alma, feche os olhos e vá para onde os sonhos o levar.

The Beach Boys, Brian Wilson, Pet Sounds, Love & Mercy…

Beach Boys

Se houve uma banda que superou os Beatles quando do seu auge, essa tem nome e identidade: The Beach Boys. Para muito além de tocar músicas dançantes de surfe ou hinos ao sol e romances à beira mar, Brian Wilson concebeu uma obra genial: Pet Sounds.Provocado por Rubber Soul, o sexto álbum dos Beatles mexeu com Wison naquele 1965. para ele, ali estava uma concepção de música. E a partir dessa “motivação” quebrou com estética dos Beach Boys e partiu para um trabalho nada convencional, e profundamente repleto de arranjos inovadores, transgressores para a época. 1966 acolheu Pet Sounds como um disco diferente no cenário pop e do rock. O público e a gravadora Capitol viraram às costas para as composições desafiadoras de Wilson. A crítica reconheceu em cada faixa o melhor disco do ano e um dos melhores de todos os tempos. E toda a concepção das canções está no filme biográfico de Wilson, Love & Mercy de Bill Pohlad, estrelado por Paul Dano (Brian quando no Beach Boys), John Cusack (fase adulta) e Elizabeth Banks. E para quem quer entrar um pouco mais no complexo mundo de Brian Wilson, o filme mostra os estágios de sua vida atormentada até o momento em que começa a ficar estável. Para quem quiser conhecer ou apenas ouvir o grupo que chegou a passar dos Beatles, veja o filme ou ouça Pet Sounds, de alguma ou de todas as formas estamos juntos nessa travessia de criatividade e de muito talento do compositor Brian Wilson também em seus trabalhos solos.

Turfe: a História também se conta com as derrotas

Rio Volga 1

Hoje, dia 26, mais um mês. Um ano e seis meses que o pai partiu. A saudade então passou a ser como uma contagem progressiva, aumenta a cada dia que passa. Mesmo quando por vezes se acomoda no leito dos pensamentos, está presente. Ergue-se sempre com a intensidade do látego quando necessário o seu uso para cruzar a linha de chegada. A vida se revela em toda a sua plenitude. Assim aprendemos a acreditar no possível e mesmo quando a mesma linha de chegada parece estar distante e não cruzar à frente. A trajetória de Mário Rossano é repleta de histórias. De muitas histórias vencedoras. E também de derrotas. Das mais inesperadas às mais prováveis. E é de uma delas, que para todo o sempre no mundo do turfe do Rio Grande do Sul, jamais será esquecida que está aqui hoje. E que o pai contava como “coisas de carreira”.

Breno Caldas era proprietário de um império da comunicação do sul: a Caldas Júnior, que editava entre outras publicações, o Correio do Povo. Também possuía um haras, o Haras do Arado. Apaixonado por cavalos de corrida, importava garanhões e fêmeas para criação e craques da tradicional blusa Rosa, ferraduras pretas, brilhavam nas pistas do velho, querido e saudoso pradinho dos Moinhos de Vento. Entre eles, um potro criado para ser exceção: Estensoro.

Estensoro Foto A

ESTENSORO – m/alazão, do RS, nascido em 22 de julho de 1955 – por ESTOC (FR) em PERFIDIA (FR), por NIÑO. 

Criação e propriedade: HARAS DO ARADO 

Estreia: 13 de abril de 1958, prova comum sobre 1200 metros – 2º para SENHORAÇO (castanho, Senhorial e Notória).

Turfe Record:

Apresentações: 14 (13 Moinhos de Vento e 1 na Gávea)

Vitórias: 12 (11 clássicas, incluindo a 2º Triplice Coroa Rio-Grandense)

Colocações: 1 (2º Moinhos de Vento)

Descolocado: 1 (14º Gávea em 2/8/59 Grande Prêmio Brasil para NARVICK).

Acima, o resumo da campanha do alazão do Arado, e na foto está seu jóquei oficial, Antônio Ricardo. Abaixo a História como aconteceu sua estreia, única derrota nas pistas gaúchas contada pelo seu proprietário e criador e a palavra do jóquei que o conduziu em sua única derrota.

No livro Breno Caldas – Meio século de Correio do Povo, depoimento a José Antônio Pinheiro Machado, L&PM Editores, 1987, reproduzimos a parte em que se refere a Estensoro:
PAqui nestas terras o senhor fez surgir um dos mais importantes campos de criação de cavalos de corrida do país, o Haras do Arado….
Breno Caldas – Eu comecei a criar cavalos em 1937…Sempre gostei de cavalos, montava quando jovem. Era cavaleiro, participava de competições hípicas. Quando vim para o Arado, construí cocheiras e resolvi começar a criar. O Haras do Arado teve alguns reprodutores de muita qualidade: Dark Warrior, ganhador do Derby Irlandês, pai do Ouroduplo e de outros ganhadores clássicos; Estoc, cavalo francês, invicto na Inglaterra, pai de craques como Estensoro, Estupenda e outros – o Estoc só deu bons cavalos: Elpenor, ganhador da taça de Ascot, pai de muitos cavalos clássicos, como a Corejada, o El Trovador (ganhador do Derby Carioca), o El Centauro (2º lugar do GP Brasil e no GP São Paulo) …
PO Estensoro foi o melhor de todos os cavalos que o senhor criou
Breno Caldas – Sem dúvida. O Estensoro, aqui, no tempo do prado do Moinhos de Vento e depois, no Cristal, onde ele chegou a correr, ganhou todas as provas possíveis, incluindo o GP Bento Gonçalves, o GP Protetora do Turfe, e foi Tríplice Coroado gaúcho. O Estensoro era filho de Estoc, um cavalo criado pelo Marcel Boussac – um dos mais importantes criadores do mundo – que eu importei da França na década de 50. Foi o melhor reprodutor que eu tive, uma verdadeira loteria que eu aceitei ao escolhê-lo entre vários outros. O Estoc tinha um problema de bambeira e produziu muito pouco, teve apenas treze filhos, mas todos ótimos cavalos, ganhadores clássicos. nenhum matungo. Além do Estensoro, o Estoc produziu outros muito bons: Estandarte, Ângela, Estrôncio…
P – O Estensoro só perdeu na estreia, ainda no prado dos Moinhos de Vento, para um cavalo chamado Senhoraço
Breno Caldas – …exato. Naquele dia, o jóquei oficial da nossa cocheira, o Antônio Ricardo, estava suspenso, e um outro jóquei, Mario Rossano, montou o Estensoro. Eu sempre proibi os jóqueis de baterem nos meus cavalos, especialmente nos potrinhos mais novos. Na largada, o Rossano deu um laçaço no Estensoro e ele, que não estava acostumado a apanhar, estranhou e ficou parado na partida. O páreo era em 1.100 metros e quando o Estensoro largou, os outros já iam uns 50 metros na frente. Saiu atrás e foi indo, foi indo, recuperando terreno e quase ganhou: acabou perdendo por focinho. Depois dessa estreia azarada, o Estensoro não perdeu mais aqui no Rio Grande do Sul. Quando ele foi para o Rio disputar o GP Brasil em 1959, um outro cavalo daqui, Lord Chanel, começou a ganhar todos os clássicos e houve quem dissesse que ele era melhor que Estensoro. Aí mandei o Estensoro de volta do Rio para cá, para disputar o GP Bento Gonçalves. Não deu outra: o Estensoro venceu em tempo recorde, deixando longe o coitado do Lord Chanel, que fez tanto esforço para acompanhá-lo que teve hemorragia…
Mário Rossano –  “Montei Estensoro, que perdeu comigo na estreia, mas foi estreia, mais tarde o doutor Breno Caldas escreveu que perdi porque bati no cavalo. Não bati, se tivesse batido ele teria vencido. Ficou essa marca de ter vencido todas as provas menos a que foi dirigido por mim. ” (Em depoimento realizado quando dos seus oitenta anos de vida, para o livro Dá-lhe Rossano, 2011, editado por Mário Rozano, e que por ter ficado longo não foi publicado. Está na íntegra, tal como foi degravado, sem as devidas correções para preservar o original, neste site.)
Estensoro nunca correu contra Lord Chanel, que foi monta oficial do Rossano em vários GPs, inclusive vencendo duas vezes o GP Protetora do Turfe, já no Hipódromo do Cristal, e o GP Bento Gonçalves de 1961, o  qual foi desclassificado em decisão polêmica e injusta da então Comissão de Corridas em favor de Argonaço.
Estensoro nunca disputou uma prova no Hipódromo do Cristal, tendo feito apenas um “passeio” de despedida das pistas, levantando os pavilhões do prado, sob a monta de Clóvis Dutra.
Mário Rossano montou e venceu provas clássicas com vários cavalos do Haras do Arado, entre eles Estupenda e Ângela.
Breno Caldas se equivocou em vários detalhes do seu depoimento, como a distância da prova de estreia de Estensoro que foi em 1.200 metros e não em 1.100 como afirmou, entre outras observações feitas a Lord Chanel.
Conversamos várias vezes sobre esta corrida. Antes o pai ficava chateado, triste, mas bem mais próximo de ele cruzar a sua linha de chegada já sorria. Um dia me disse que perder fazia parte e que não significava que tudo estava acabado. “Afinal – disse – todos os dias amanhece e tudo recomeça outra vez, inclusive as vitórias.”
Bento 1958 1º Estensoro 2º Dark Sauce
Na foto acima, o único GP Bento Gonçalves vencido por Estensoro, em 1958, o último disputado no Moinhos de Vento, secundado por outro dos craques do Haras do Arado, Dark Sauce, sob a monta de Mário Rossano, com a blusa preta, ferraduras rosa.
Agradecimento especial ao meu irmão Mário Rozano, que preserva como ninguém a memória do nosso pai.

Glen Hansard: Didn´t he ramble

glen_hansardcover

Glen Hansard desde os tempos do The Frames faz um trabalho consistente, ora folk ora mais rock ou ainda com todas as nuances dos compositores irlandeses. Não por acaso vez por outra surge alguma voz afirmando certa semelhança com o bardo Van Morrison. Diferenças à parte, foi com a parceria inspirada e sensível com a pianista e compositora tcheca Markéta Irglová que alçou seu voo mais alto. Em Once,  filme que protagonizaram, oscarizaram a canção tema “Falling Slowly” e formaram o The Swell Song, com bons trabalhos. Havia entre os dois uma química que funcionava muito bem, tanto que um e outro participavam de seus trabalhos solos. Ela gravou Anar e Muna, ele chegou com Rhythm and Repose. E cada um seguiu seu caminho. Hansard chega ao mercado com Didn´t he ramble, onde mais uma vez o folk e o indie rock se insinuam pelos seus labirintos musicais. Um disco que possui, sobretudo, uma unidade harmônica, temas em que a vida real se confronta com seus lados otimistas, apaixonados e, às vezes, nem tanto um ou outro. São dez canções maduras e encontram Glen mais cristalino e mais envolvido emocionalmente com cada composição. Os arranjos são primorosos e o destaque fica por conta das cordas com Rob Mouse e Thomas Bartlett, que o conectam ao mistério entre melodias e letras e faz do irlandês um intérprete poderoso. Um belo disco, embora confesse preferir o anterior, mais folk, mais calmo. Todavia, um disco que vale cada faixa e nos transporta às nuvens e começa pela belíssima capa.

Hamilton de Holanda & André Mehmari: gismontipascoal – a música de egberto e hermeto

andrehamilton

Escrever sobre Hamilton de Holanda e André Mehmari é cair em demasiados clichês e redundâncias. O bandolinista e o pianista são dos maiores instrumentistas do Brasil e ponto. Mais não é necessário. Então, ao apresentar este fantástico gismontipascoal onde os dois ingressam no universo musical de Egberto e Hermeto, fico com o que os homenageados escreveram no encarte do disco. Hermeto: “Quem toca um instrumento não pode ser instrumento do instrumento nunca.” , e Egberto: “A retribuição que desejo é dificílima pra alguns, evidentemente, não para vocês; desejo que vocês continuem pra sempre guardiões da música brasileira, lembrando, sempre, que ELA é muito maior que todos nós.”  Agora, ouvi-los e deixar que esse encantamento seja permanente.

Liliana Herrero y Juan Falú: Leguizamón – Castilla

Liliana Juan

Gustavo Leguizamón es un surrealista criollo, um filósofo de los sonidos, del mito y del humor. Se há situado entre las leyendas de las viejas culturas y la más moderna poesia de la soledad. Estos dos mundos sucitaron um desgarramiento que solo pudo sobrellevar com uma ironia de aristocrata y na nostalgia de bohemio. Era um descreído esperanzado.

Para él la vida estaba hecha de enredos y absurdos. Em la brevedad de um chiste y em la complejidad de la poesia, el Cuchi inspira su musica irreverente. Com su música, com su obra, siempre tuve la sensasión que el folklore, si bien tiene sonidos lejanos, infinitamente arcaicos, al mismo tempo respira la comprejidad del mundo presente.

Manuel Castilla es uno de los poetas argentinos fundamentales, comentarista lírico de relatos primordiales del país, buceador de los secretos, los ritmos y las celebraciones más exigentes de las palabras. De sus textos surge uma música que subyace em el fondo siempre sugerente de ciertas palabras, de ciertos giros, de ciertas metáforas e imágenes. Para este hombre barbado y gozante el descubrimiento del drama y la fuerza del paisaje es lo que funda la metáfora del vivir. Pienso que aún cuando sea um poeta cuyas poesias han tenido y tienen esa independencia necesaria de las canciones en que se há corporizado, a Manuel castilla se lo puede cantar cuando se lo leer cunado se lo canta.

La melancolia de estos dos hombres acaso está sobrevolada por duendes y por el passo del tiempo que a veces rodea a las pesonas com trágica solemnidad y a veces com uma travesura.

A ellos también los rodeó esta alternativa: la picardia y la ironia. Com estas dos formas de la consciencia, com el “granizo tíbio de sus espuelas”, ataron los lazos de la memoria, que es simpre actividad en el reposo, uma forma del “estar estando”.

Texto de Liliana Herrero no encarte do disco.

Eric Clapton Guitar Festival: Crossroads

Crossroads

O nome Eric Clapton dispensa toda e qualquer apresentação. Tem vida própria, fala por si ao natural.  está presente na História da música assim como está presente em festivais e shows de grande relevância social. Crossroads está inserido em sua vida. Desde 1999 reúne os maiores e melhores guitarristas do mundo em torno do Centro de Tratamento de Drogas. Um trabalho admirável acolhido pelos instrumentistas e músicos de todos os estilos, técnicas e gêneros. No palco, que pode ser Madison Square Garden ou o Toyota Park, por exemplo, eles se revezam em atuações assombrosas e desfilam uma integração não apenas musical. Há um elo que os une, além do show beneficente, que uma textura de harmonias e melodias irresistíveis para que ouve cada uma delas. Nomes como JJ Cale, BB King, Zakir Hussain, Steve Vai, John Mayer, Joe Walsh, Jonnhny Winter, Robert Cray, Keith Richards, ZZ Top, John McLaughlin, Carlos Santana, Albert Lee, Bo Dyddley, Vince Gil, Buddy Guy, Jeff Beck, Willie Nelson, Los Lobos, Andy Fairweather Low, Taj Mahal e uma infinidade de outros tantos abraçam o show, o público, a causa e cada canção é algo extraordinário de ouvir com devoção. São artistas que assumem-se como pessoas. E o talento e a sensibilidade ultrapassam todos os limites e fronteiras e todos nós somos presenteados com performances inesquecíveis.

Jorge Drexler: La edad del cielo

Jorge_Drexler_-_La_edad_del_cielo

Uruguaio de nascimento, ganhou o mundo esse médico, cantor e compositor. Desde que seu Oscar por melhor música – “Al outro lado del río”, pelo filme Diários de motocicleta – sua vida foi pulando lugares: Buenos Aires, Madri, Porto Alegre, e mais uma infinidade de cidades. criativo, permaneceu algum tempo antes do sucesso cinematográfico entre as estantes de discos quase anônimo. Discos que já demonstravam sua universalidade e uma gama de influências para além do Prata e muitas vezes chegando à beira do Guaíba porto-alegrense. Não por acaso, um dos seus amigos e parceiros é Vitor Ramil e sua Estética do Frio. Andam juntos os dois. Os discos foram se sucedendo, todos com repercussão por onde passa e o seu caminho abre horizontes. La edad del cielo abraça um período em que a Virgin era a sua gravadora, e lá estavam (estão) VaiVen, Llueve, Frontera e Sea, e estão dezessete faixas em que não podemos escolher nenhuma: todas são magníficas. Voltar um pouco ao início de sua carreira é um exercício que permite observarmos o seu desenvolvimento com compositor, cantor, artista e cidadão do mundo. Um disco que se ouve com tranquilidade e para os que vivem ao sul do sul nesses dias de inverno com uma mate quente à mão ou um café.

Mário Sève & David Ganc: Pixinguinha & Benedito

Musicograma-Mario-Seve-e-David-Ganc-300x202

O CD traz a parceria de Benedito Lacerda e Pixinguinha, o dueto instrumental mais importante da música brasileira, com inéditas, novos arranjos, e os instrumentos dos dois: flauta e sax. Alternância nos instrumentos, melodia e contraponto, arte do contraponto brasileiro, que teve seu ápice com Pixinguinha, está presente nas 14 músicas, inspiradas nas gravações da década de 40. Duas delas são inéditas, saídas do baú da família: o baião “Acorda Garota” e o frevo “Agua Morna”. O disco redefine as tradicionais classificações e olhares sobre os gêneros musicais sem preconceitos. O que era choro torna-se choro-forró ou choro-lundu. Tem levada de samba de roda. É música viva que flui, é mescla dos tempos ora passado ora presente, e quem sabe, o futuro também. É esse olhar sobre a obra extraordinária de Pixinguinha e Benedito Lacerda que o sax de Mário Sève e a flauta de David Ganc se debruçam. E esmiúçam sem nunca chegar à exaustão. Ao contrário. Os “standards” da dupla atravessam e desafiam o tempo sem nenhum problema. E a leitura que os instrumentistas criam é algo que fascina. É o prende e liberta que somente a música possui. O acompanhamento é de deixar o ouvinte com água na boca. Um regional que inclui Dininho, filho de Dino 7 Cordas (mestre do contraponto no choro, ao lado de Pixinguinha), Jorginho “Época de Ouro” do Pandeiro (elo de ligação com o mestre), Celsinho Silva, Mingo Araujo (percussões), Oscar Bolão (bateria). Da turma do samba: Wanderson Martins, que toca com Martinho; Esguleba (do grupo de Zeca Pagodinho); Claudio Jorge, parceiro de Cartola. O disco caminha muito também pelos caminhos de  João da Bahiana, Clementina de Jesus, ao samba batucada de Ciro Monteiro e a Paulinho da Viola. Tem ainda o piano de Leandro Braga, o quarteto de Guerra Peixe, o acordeon de Toninho Ferragutti e uma orquestra de frevo com os metais de Roberto Marques, Nilton Rodrigues, Carlos Veja. Trabalho de extrema sensibilidade e daqueles que a gente ouve e aperta o repeat sem medo algum. Uma viagem maravilhosa pela sonoridade dos mestres do chorinho e outros gêneros sem cair no modismo dos rótulos.

 

Kátya Teixeira: Katxerê, Feito de Corda e cantiga, Lira do Povo e 2 Mares

Katya

A música popular, no seu sentido mais interiorizado possível, é de uma riqueza universal e inesgotável. Por vezes, o público é induzido a acreditar que a verdadeira música do interior das terras brasileiras é a forma elitizada e sofisticada que certos gêneros alcançam na grande mídia. Basta apenas lançar um rápido olhar nas matérias que circulam por esses meios. Claro fica que não está em questão aqui o gosto de cada um em relação a música e seus gêneros. E gostar de qualquer gênero é sinônimo de sensibilidade. No entanto, o que assusta é o “esquecimento” por parte dessa massa crítica da mídia da verdadeira música popular e de raiz. Tamanho esquecer que a trona um gênero “cult”. Kátya Teixeira vem alguns anos realizando um trabalho de uma densidade imensa a partir do folclore. Das raízes, da cultura indígena, da vida em nosso interior. Assim o convívio com Vidal França, João Bá, Cátia de França, Daniela Lasalvia, e outros nomes que circulam por esses caminhos – eis alguns: Vital Faris, Dércio e Dorothy Mrques, Elomar, Xangai, para citar alguns – fez com que a sua história desde pequena se tornasse coerente com sua vida. Filha de cantores, família de cantores e de pessoas ligadas ao folclore e a vida interiorana, também cursou escola de música. Forja sua música na realidade que a raiz produz. É com ela e sua sensibilidade que avançamos nesse domingo em que as horas anda descansam à espera do sol.

Foto: capturada no http://www.encontrodeculturas.com.br