Fotografia: Olhar em p&b (b&w look)

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Fotos: Chronosfer. O olhar se debruça sobre a vida, que reflete seu viver nas retinas. pode ser um pôr do sol, uma rede de pescador ao fim do dia, uma montanha gelada pela neve ou um campo de lavandas. O olhar olha por fora em p&b, por dentro a vida explode com toda a sua força. Basta olhar.

The gaze bends over life, which reflects his living in the retinas. it could be a sunset, a fisherman’s net at the end of the day, a mountain chilled by snow or a field of lavenders. The look looks on the outside in b&w, inside life explodes with all its force. Just look.

Conto: “Um amor inesquecível”, por Gustavo ´Lopecito´ Lopez

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UM AMOR INESQUECÍVEL
Lopecito (*)

O dia em que completei dezoito anos lembro que meu pai olhou para mim e disse:
– Filho, começa outra etapa. Você já é um adulto.
Honestamente eu sentia-me o mesmo babaca do dia anterior, mas tentei interpretar o mandato.
Ainda imerso em uma ditadura militar atroz que durou toda a minha adolescência mas começava a lançar as hurras, eu me perguntava o que poderia fazer de diferente na minha vida a partir desse momento.
As respostas não demoraram em chegar a minha cabeça. Tendo dezoito podia ir ao cinema para ver filmes com mulheres nuas sem esgueirar-me na entrada (os poucos seios que permitia olhar o censor Tato); entrar no cassino com o documento de identidade fixado na testa como se fosse o ás de espadas e, por que não, conhecer um hipódromo.
Assim foi como em finais de 1981 fiz minha primeira experiência no turfe e, como você pode imaginar, não parei nunca mais.
Entrar no velho Palermo era como ir para escola. Sentava-me nos degraus do Paddock, a poucos metros da coluna desde onde as pombas descarregavam bombas impiedosas sobre os adventícios, e meus parceiros de arquibancada eram sempre os mesmos: Horacio, Daniel, Coco, Pistola, Mura, Paul y Walter. Horacio era por vários corpos o maior do grupo e nunca tivemos a coragem de tratá-lo com muita confiança. Evidentemente não era velho, mas estava feito um papiro. Jamais o vimos com outro elemento de estudo que não fosse o Programa Oficial, e quando falava de corridas impunha um respeito mortal. Na realidade, só pela casualidade sabíamos o seu nome. Pra nós era simplesmente “O Catedrático”.
Se falávamos de jóqueis, o cara os tinha visto correr a todos: Legui, Jara, Nardi… Bem, não vou citar a todos. Porém, tinha uma debilidade: Batruni.
Para O Catedrático, José Luis Batruni era o jóquei mais completo que tinha visto y cuidado daquele que tivesse a audácia de discuti-lo. Uma vez tivemos que levá-lo para a enfermaria da raiva que tomou com um fulano que lhe fazia piadas.
Eu não tinha visto na minha puta vida o Grande Prêmio Jockey Club que “O Polvozinho” Batruni tinha vencido esse mesmo ano com o cavalo Tello, mas ele me contou a corrida tantas vezes que… Bom, não o contava, o atuava. Num segundo montava-se sobre o Programa que colocava entre suas pernas e com seu boné batia uns chicotes impressionantes. Comovia, eu juro.
Ele nos acompanhou dez anos no mesmo lugar e me ensinou tudo o que os livros não ensinam, até que uma tarde simplesmente desapareceu. Naqueles tempos sem telefonia celular de pronto descobrimos que incrivelmente ninguém sabia onde morava nem como contatá-lo. Tentamos, mas nunca mais voltamos a vê-lo. Durante anos, cada vez que olhava para Avenida Dorrego esperava ver o boné cinzento entre a multidão. Acreditamos no pior final.
Uma manhã de 2011 eu esperava em um desses consultórios médicos onde há trezentas portas e atendem mil especialidades, viu? Quando de repente meu coração se acelerou.
Sentado ao lado de uma mulher um pouco maior do que eu, um velho muito velho e em uma cadeira de rodas não levantava os olhos do chão.
Tinham passado mais de vinte anos e o boné agora era verde, mas esse era O Catedrático.
Saí catapultado, cumprimentei rapidamente a mulher, me abaixei e lhe disse:
– Oi Horacio, sou Gustavo. Se lembra? Do Hipódromo de Palermo!
Nada…
Tentei com um par de nomes das pessoas daquele grupo, mas ele nem sequer me olhou.
A mulher apresentou-se como Laura e me contou que depois de dois AVCs Horacio nunca tinha logrado se recuperar. Hoje tinha 88 e já desde dois anos atrás quase não vivia momentos de lucidez. Nem sequer lembrava-se dos nomes de seus filhos. Horacio, sempre sem olhar para mim, disse baixinho algumas frases sem sentido nenhum.
Cumprimentei-os com uma tristeza que me encolhia o coração e voltei ao meu lugar.
Horacio e Laura entraram para ver o neurologista. Minha cabeça era um turbilhão.   Chegou o meu turno com o oftalmologista, mas o deixei passar. Você me entende, não? Precisava ver ao Horacio pela última vez.
Esperei.
Quando eles saíram me acerquei para cumprimentar novamente. Voltei a me curvar para ficar na altura daquele rosto e joguei o movimento de xadrez que aqueles minutos tinham-me permitido elaborar:
– Horacio, que montaria Batruni! Não é?
Levantou a cabeça lentamente, olhou nos meus olhos por alguns segundos e respondeu apenas balançando a cabeça:
– O Polvozinho.
Lagrimando expliquei a Laura o que tinha acontecido, e choramos juntos.
Continuei tentando, porfiado, com Tello, L’Express, mas sem sucesso. O Catedrático já tinha voltado a se despedir.
Hoje ainda fico emocionado pensando naquele “volta e volta o churrasquinho” do Paddock, naquele suco escuro que o Oviedo puxava do seu tambor metálico e nos vendia como café, na sexta edição do periódico Crónica na saída com “A tragédia de hoje!”, nos motoristas de ônibus que na porta gritavam “Vamos para Liniers! Vamos para Liniers!” E, claro, vejo ao Horacio montado no programa e batendo chicotes com seu boné cinzento.
Pronto para fechar estas linhas, vem a minha mente aquela música de Los Charros e cantarolo: “Um amor como o nosso, não deve morrer jamais”.

Notas
– Miguel Paulino Tato foi um jornalista e crítico de arte nascido em Buenos Aires. Dirigiu entre 1974 e 1980 o Ente de Classificação Cinematográfica e foi considerado o máximo censor da história do cinema argentino.
– Legui, Jara, Nardi… Históricos jóqueis do turfe argentino. Irineo “O Polvo” Leguisamo, Eduardo Jara, Oscar “Pocho” Nardi.
– Tello e L’Express foram grandes cavalos de corrida guiados pelo “Polvozinho” José Luis Batruni.
– Durante muitas décadas, na porta do Hipódromo de Palermo se estacionavam longas fileiras de ônibus que transportavam passageiros para distintos bairros de Buenos Aires como Liniers, Boedo, Flores, etc.
– Los Charros é um grupo musical argentino, da província de Chaco.

(*) Lopecito, o autor do conto, é o criador do blog “Los Pingos de Todos” que funcionou durante dez anos. Atualmente colabora no Hipódromo de Azul, na província de Buenos Aires.

  • Hoje 26, sempre ao meu lado, a saudade pede um café, escuta Piazzolla, e começa a olhar com os seus olhos tranquilos os meus, que acolhem um mar de tristeza, água e sal. No infinito, meu pai e meu irmão, por certo conversam sobre a vida, o turfe, a ausência aqui e, quem sabe, da saudade de todos nós. E dos amigos de tantas idas e vindas neste universo das corridas de cavalos. E vem da Argentina, de Buenos Aires, este conto que abraça os dois. Escrito pelo Gustavo “Lopecito” Lopez, Um amor inesquecível é desses momentos que chegam para ficar. Amigo, que a geografia impediu até agora de abraçar, não apenas esteve com o Mário irmão, como me recebeu no seu Los Pingos de Todos, sobre turfe, naturalmente. O meu abraço de muito obrigado a ele, ao Marcelo, ao Pablo, e ao Marcos Rizzon do http://www.jornaldoturfe.com.br/ , onde pela primeira vez este conto encontrou casa. (a música é escolha deste Chronos)

 

Fotografia: Desafio de corrida de cavalos – Hipódromo do Cristal

Nunca havia fotografado corridas de cavalo. Ou melhor, apenas uma tentativa fracassada, quando ainda estudante de Jornalismo fiz um trabalho para a disciplina de Fotografia no Hipódromo do Cristal. Foram fotos comuns. Em 2014, houve aqui em Porto Alegre um desafio entre os jóqueis Russell Baze, Estados Unidos, e Jorge Ricardo, Brasil, os dois maiores vencedores do mundo. Meu irmão Mário, me levou para fazer algumas  fotos. Era setembro, abril o pai havia partido, e lá era o ambiente da vida dele como profissional. Foi difícil. Tudo o que fiz foram, mais uma vez, como no tempo de estudante, fotos convencionais. Mas, em homenagem a eles, meu pai e meu irmão, agora juntos nos hipódromos do infinito, deixo neste Chronos o pouco que fiz naquele dia em que reencontrei a história de tantas vidas.

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Fotos: Chronosfer. (A propósito, o brasileiro venceu o desafio e “Por una cabeza” é um tango imortalizado por Carlos Gardel que tem o tema turfe.

Conto: Agora sim, por Marcelo Fébula

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Este texto foi publicado originalmente na revista TAG – Todo a Ganador e reeditado no blog Los Pingos de Todos, da Argentina. Hoje chega traduzido para este Chronos.

Agora sim

               Em memoria daquele turfista anônimo que há muitos anos, uma tarde de inverno nas arquibancadas do Hipódromo de Palermo, me contou partes de sua vida.

 

 

Lá pela sexta corrida (sexta aposta perdida, as moedas que cobrou pela exata acertada na segunda nem sequer as considerava), aproveitando que enquanto se mantivera com vida no Triplo não faria nenhuma viagem até as janelas de apostas, García encurralou-se num canto da tribuna Paddock se levantando as abas do abrigo. Esperando o segundo capítulo da aposta, talvez assaltado por alguma memória antiga, de pronto encontrou-se pensando quanto tempo havia decorrido desde a última vez que pisou o hipódromo para desfrutar inteiramente das corridas.

 

Tudo havia trocado quando começou a pensar nas apostas unicamente em função dos problemas que poderia solucionar com um acerto. Que compras adiadas fazer, que buracos financeiros tapar, que dividas afrontar. Assim foi perdendo esse puro gosto do turfe, essa sensação incomparável de plenitude e felicidade que lhe havia namorado na juventude. Tempos do trio com Pancho Alsina e Balmaceda (em realidade eram seus velhos parceiros do ensino meio Enrique e Jorge, apelidados assim por uma associação com o tango Três Amigos), que costumava chegar ao hipódromo de Palermo para assistir as quatro últimas corridas nos dias de semana. Tempos de sábados inteiros em San Isidro, com manhas visitando cocheiras, tardes de reunião hípica e noites jantando naquele restaurante na beira do rio, última parada compartilhada com os inesquecíveis turfistas encontrados no seu primeiro trabalho. De domingos ensolarados em Palermo com esse par de tios boêmios que lhe dera a loteria da vida, transformados em confrades incondicionais ante o mínimo cheiro de bosta de cavalo. De firme saldo para apostar graças a outro bom trabalho e de um perfil de solteiro que acreditava a prova de balas.

 

Mas um dia o barco do trabalho começou a navegar com inevitável destino de naufrágio, e aquele perfil que acreditava invulnerável terminou sendo como a Linha Maginot com a qual os franceses pensavam parar os tanques nazistas. Do barco nunca chegou a saltar, esperando melhores ventos que finalmente nunca chegaram. E uma morena muito segura de seus movimentos levou-o até os domínios de um padre que com gesto entre angelical e mefistofélico perguntou-lhe se queria a aquela mulher como sua esposa. Tripulante de um navio sem futuro e com um anel de metal lhe perfurando a cartilagem do nariz, José García (o da guia, a eterna piada), mudou de vida. Sem palavras deu-lhe um triste adeus ao alegre apostar, as ressacas de vinho tinto e as piratarias variadas, e olhou desconfiado o horizonte que se abria, incluindo o novo emprego na empresa de seu sogro com forma de nuvem negra.

 

Desde a íngreme escada de créditos e dívidas na que rapidamente encontrou-se subido, Garcia o da guia já não viu nem vestígios de seus antigos camaradas. Pancho Alsina também ganhou seu anel de metal, Balmaceda não queria saber nada com burgueses condicionados, os amigos de San Isidro tinham um ritmo impossível de seguir e o brinde do casamento foi o último gole que compartilhou com os dois tios vadios, que imediatamente cruzaram olhares e foram cientes de uma baixa entre suas fileiras. Só lhe quedaram pequenas margens de tempo e dinheiro para o turfe, embora por elas tivesse que lutar com essa morena incrível e rapidamente virada em bruxa, com a família dela e ainda com sua própria gente, sempre chateada com a ovelha perdida que um dia saiu do curral para ficar nas cocheiras. Machucado pela luta, apenas se conseguiu uma espécie de entendimento tácito com sabor a pouco, porque as pequenas margens salvadas não eram suficientes para dançar as velhas e alegres danças ao ritmo de içadas bandeiras vermelhas, verdes e amarelas. As excursões para os templos de areia e grama, carimbadas, tinham como único objetivo tentar escapar de alguns dos muitos caminhos enlodados por onde tropeçava, que, aliás, eram muitos e de todos os tamanhos: hipotecas, parcelas de vestiário, de eletrodomésticos, de medicina pré-paga, cartões de crédito, vencimentos de pequenos empréstimos contraídos para pagar empréstimos maiores, e mil buracos mais. A cada um deles correspondia um sonho febril de aposta ganhada, fosse Cadeia, Pick 4, Triplo, doble ou simples vencedor. Sim, não podia desfrutar das corridas como nos velhos tempos, todo passava pela ingrata peneira das dívidas e os compromissos.

 

García o da guia, subitamente angustiado, perguntou-se se valia à pena continuar bastardeando aquela velha paixão turfística. Não seria melhor reconhecer que havia perdido o jogo, derrubar o rei do tabuleiro com a pouca dignidade que ainda tinha e esquecê-lo tudo? Não. Por ínfimo que fosse o tempo disponível, por miserável que fosse a forma de pensar nas apostas, preferia isso antes que deixar de sentir o coração acelerado pelo trovão dos cascos dos cavalos no percurso de uma corrida, uma emoção que permanecia intata. Acelerado como agora, neste incomparável momento em que o tordilho apostado só como uma possibilidade remota cruza primeiro a linha de chegada de uma corrida de mil metros e no totalizador de apostas brilha um impactante dividendo de 38.70 a vencedor.

 

No canto da tribuna Paddock que ocupava, García começou a se dar palmadinhas no peito. Ai, no bolso grande do abrigo, tinha o bilhete da aposta Triplo com as duas primeiras corridas acertadas, uma comum e outra de valor inestimável. Lutou para não sonhar, mas antes do novo passeio preliminar já estava quase fora de controle imaginando situações prováveis se o destino decidia fazer-lhe uma piscadela na corrida que faltava. Sabia que não era bom perder o controle, então decidiu sair dessa atmosfera indo com decisão até o setor de exibição. Ai encontrou ao cavalo de suas esperanças caminhando muito tranquilo, levado das rédeas por um peãozinho com rosto de índio. Cruzaram miradas com o castanho quando passou perto, e García lhe falou sem mover os lábios.

 

Momentos depois estava gritando com coração e alma nas arquibancadas. Na reta final todo ele se tornou em uma mão fechada no ar, em um par de olhos excitados e chorosos. Gritou o nome do cavalo e não o de o jóquei, como se estilava no Uruguai. O nomeou uma e outra vez com a força de suas memórias antigas e de suas ânsias de revanche. Finalizada a corrida foi até a beira da pista para saudá-lo e falar-lhe outra vez. Mas agora suas palavras escutaram-se o suficiente como para que algumas pessoas o olharam com estranheza. Confirmado o resultado da prova e a importante recompensa para os que acertaram o Triplo, passou pelas janelas a cobrar e deu liberdade a seu cérebro embaralhando os muitos planos tantas vezes imaginados para um momento assim. Agora sim, caralho, vão me ter que suportar. O motorista do taxi disse saber bem o caminho, não tinha necessidade de receber indicações.

 

Chegando ao bairro pediu parar no cruzamento das avenidas. Decidiu descer ai e caminhar um pouco saboreando sua iminente pequena vingança com o pensamento como se fosse um doce. Cruzando a segunda rua notou que na metade do quarteirão faltava um pouco de luz. Seguramente uma lâmpada quebrada. A figura que vagamente pensou ter visto movendo-se entre duas árvores na área escura tornou-se real.

–Como vai? –perguntou-lhe sorrindo, como se o conhecesse de toda a vida.

García demorou uns instantes em compreender a situação. O cara era grande, tinha uma mão em seu ombro e com a outra apoiava o cano de um revólver em seu estômago.

–Tranquilo –disse olhando para os lados antes de revistar os bolsos de seu abrigo, sem deixar de apoiar-lhe o cano do revólver. Rapidamente encontrou o maço de dinheiros.

–Hoje você não tem sorte. Perdoe-me, as coisas são assim.

O cara subiu em uma bicicleta que tinha encostada em um portão e olhou duas vezes para trás revólver em mão antes de se perder na escuridão da noite. Tudo havia acontecido em menos de um minuto.

 

García caminhou até sua casa como um autômato. Ainda podia sentir a pressão da ponta da arma no seu estômago. Abriu a porta.

–Boa noite –cumprimentou desde o corredor.

–Você perdeu? –perguntou-lhe sua mulher a maneira de saudação.

–Sim –contestou García pendurando o abrigo.

 

 

Marcelo Fébula

 

GP Bento Gonçalves 2016: vitória de Bagé In Concert

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O potro da foto acima foi o grande vencedor da 108ª edição do Grande Prêmio Bento Gonçalves 2016, no Hipódromo do Cristal em Porto Alegre. Os 2400 metros da prova foram disputados com autoridade pelo filho de Silver Train en Icy Welcome, em condução brilhante de William Silva. Sua largada foi perfeita, de pronto assumiu a dianteira seguido por Indujo Amor e First Amour. Na primeira passagem pelo vencedor Rei do Sul, correndo de fora para dentro, avançou e disparou vários corpos à frente de Indujo Amor. William Silva recolheu o potro e fez a corrida de espera, acomodado em terceiro. Nos 600 metros finais, tocado com suavidade, decidiu por fim a qualquer esperança de seus adversários ao retomar a ponta e resistir o assédio de Life Style e Departure Time. Cruzou o disco para contabilizar mais uma vitória para o treinador Luiz Carlos Ávila. Bagé In Concert é cria do Haras Santa Rita do Portão e de propriedade do Stud Miguel Ávila. O craque cravou no cronômetro o tempo de 2m36s para a distância. Clique no link abaixo e assista a corrida. (Este post é dedicado ao meu irmão Mário Rozano, cujo DNA pelo turfe herdou do nosso pai e fez do seu blog De Turf Un Poco – http://mariorozanodeturfeumpouco.blogspot.com.br/ – uma referência no Brasil e América do Sul. Mário não teve tempo de assistir o grande prêmio, nos deixou em setembro.)

http://www.jockeyrs.com.br/jockeytv/?v=3854

 

Tango e cavalos de corrida

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Hoje, dia 26, mais um mês em que esse fruto (saudade) que a cada dia fica mais maduro e ainda mais forte fica mais intenso amanhece ensolarado como tem sido o verão no sul do Brasil. O pai adorava tango. E a milonga. E uma taça de vinho tinto seco. E Carlos Gardel. E cavalos de corrida. E a família. Ingredientes para uma vida feliz. Ele ensinou a nós, meus irmãos e eu, a ouvir a música do Prata como se fosse a nossa música. E não havia jeito de aparecer com o rock, o música popular brasileira, a gaúcha, ou qualquer outro gênero. Tango. Bom, abria pequenas exceções: Frank Sinatra, Nat King Cole e outros mais do jazz lá bem de trás.  Aos poucos, começou a gostar de tango mais moderno, Piazzolla, e outros mais. Até mesmo os tangos mesclados com o rock, com o erudito, com o eletrônico. Mais perto de sua partida, só ouvia Gardel. E com os olhos fechados cruzava o disco final de uma corrida. (há tudo a ver entre o tango e as corridas. “Por una cabeza” é um desses tangos que entrelaçam ambos.) Deixo aqui, um disco especial, Tinta Roja, do Andrés Calamaro que ele gostava muito. E toda a vez que ele preenche todos os espaços, sinto que a saudade está alimentada e a presença do pai cada vez mais viva.

As corridas como eram até os anos 50

Rio Volga 1Hoje, mais um mês na contagem da saudade, que cresce e amadurece como um fruto sem jamais, no entanto, cair no chão. Na cesta da vida, permanece intacta e forte e mostra o quanto vivê-la também nos faz viver. É muito mais que uma lembrança. É um conviver que apenas marcou encontro para outro lugar, em outro tempo ainda a ser determinado. Hoje, esse café desce com a magia de um passado que cada vez mais é presente nas distâncias que devemos percorrer.

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O livro Seabiscuit – Uma lenda americana, da editora e articulista Laura Hillenbrand é uma peça valiosa para os turfistas e para quem goste de corrida de cavalos. Ao narrar e entrar em detalhes fascinantes da trajetória não apenas de Seabiscuit e também dos personagens que protagonizaram todo um espetáculo em um Estados Unidos dilacerado pela Depressão, Laura trouxe à vida o que muitos não sabem sobre o como ser jóquei – no livro, em como era ser – e suas imensas dificuldades. Mais que isso, em como o ser humano desafia a si mesmo e as todas as perspectivas em busca não somente da vitória se não pela sobrevivência. Na década de trinta do século passado a importância dos hipódromos, do jogo, das corridas era muito mais que uma válvula de escape. A decadência da sociedade necessitava de heróis e Seabiscuit foi um deles. Em uma das passagens, a segurança dos jóqueis: ” … Exigindo que os competidores humanos montassem animais erráticos em meio a agrupamentos densos em grande velocidade, as corridas da década de 1930 eram repletas de perigos extremos, assim como as de hoje. Os cavaleiros nem precisavam cair para se machucar seriamente. Mãos e canelas eram esmagadas e os ligamentos dos joelhos se rompiam quando os cavalos giravam de repente ou colidiam com cercas ou muros. …. Quando foram criados os primeiros e primitivos boxes de saída no início da década de 1930, estes não eram almofadados e alguns jóqueis morriam literalmente sobre a sela, atravessados pelo aço exposto das barras superiores quando seus cavalos empinavam sobre as patas traseiras. … Ferimentos graves são uma certeza para todos os jóqueis, a exemplo de fraturas e esmagamentos, frequentes em acidentes automobilísticos sofridos em autódromos. … Em cinco ferimentos, pelo um se localiza na cabeça ou no pescoço. Uma pesquisa de 1993 descobriu que 13% dos jóqueis sofrem concussões em um período de apenas quatro meses. O número de acidentes era muito maior nas décadas de 1920 e 1930; apenas no período compreendido entre 1935 e 1939, dezenove cavaleiros morreram em acidentes enquanto exerciam sua profissão. Naquela época, eram empregadas táticas muito perigosas, e a ausência de equipamentos de proteção aumentava a vulnerabilidade dos jóqueis, causando inúmeros acidentes fatais. Nos dias de hoje, as corridas são filmadas sob múltiplos ângulos para garantir que os jóqueis conduzam suas montarias de modo seguro. São obrigados  a usar jaquetas reforçadas, semelhantes a coletes à prova de bala, óculos de proteção e capacetes de alta tecnologia, além de competir em raias equipadas com grades de segurança e haver ambulâncias posicionadas em torno da pista. Estes luxos não estavam à disposição dos jóqueis de antigamente. Na melhor das hipóteses, apenas um ou dois comissários supervisionavam as táticas de corrida. A única proteção usada pelos jóqueis era um boné de papelão, recoberto de seda. O ex-jóquei Morris Griffin, que ficou paralítico, devido a uma queda sofrida em uma corrida disputada em 1938, comparou seu boné a um quipá. Como não tinham uma correia passando sob o queixo, os bonés voavam da cabeça do cavaleiro antes de este chegar ao chão. Para piorar as coisas, quase todos os jóqueis inutilizavam o boné ao cortar o topo e retirar o forro para diminuir o peso. …”

Rossano e o capacete

No antigo e sempre saudoso Hipódromo dos Moinhos de Vento, em Porto Alegre, apenas nos anos 1950 o capacete de fibra foi usado pelos jóqueis. Em matéria publicada na imprensa, Mário Rossano posa com um deles, ainda em fase de experiência. Antes, era exatamente como Hillenbrand narra em seu livro.

Final justo

Acima, em que Rossano vence na “fotografia” páreo disputadíssimo, percebe-se os bonés dos jóqueis sem nenhuma espécie de proteção. Os tempos do pradinho foram mais tranquilos, as reuniões eram número mais reduzidos, as cercas de madeira, em especial a interna, e somente na ida para o Hipódromo do Cristal em 1959, as mudanças começaram a valer. Os boxes foram introduzidos nos anos sessenta, os capacetes evoluíram e se tornaram mais resistentes, e a segurança muito maior. Ainda assim, um acidente de pista, no extinto Hipódromo de Mathias Velho, em Canoas, próxima a capital, em uma rodada “feia”, uma labirintite minou de maneira precoce aos 37 anos a carreira vitoriosa de Mário Rossano. A memória entre os turfistas permanece viva e hoje é uma lenda entre eles e os jovens profissionais.

 

Música: La Mufa

Livro: Seabiscuit – Uma lenda americana, de laura Hillnbrand, págs. 98/103

Fotos: jornal Folha da Tarde, 1958.