Miniconto “A Estação”

estaçãoA estação não atrai mais os pássaros. As luzes apagadas apenas recebem o sol da manhã. As telhas descansam seus vincos tingidos pelo sereno. Deixam vazar um ou outro pequeno vão por onde é lapidada a lembrança. Há muito a pele da madeira e os seus feixes estavam secos. Todo o dia ali era noite. Não a vemos como os velhos a vêem em suas memórias, hoje procurando refúgio. Elas nunca mais estarão abertas como antes, estão misturadas como retalhos tecidos à mão. Mas, sempre há um nervo que se abre e deixa fugir um pedaço da alma. Depois, retorna às pressas com medo do horizonte tenso e em brasa do lado de fora. O que era turvo aos olhos torna−se mais turvo sobre as linhas refletidas na água dos córregos, margeando o verde desse silêncio. A estação não atrai mais do que relâmpagos e temporais. Depois, passam, deixam rastros, ferrugens e cicatrizes azuladas como as veias que recortavam os braços do último maquinista. Ali, o trem parou, e o tempo seguiu seu destino. A mudez das sombras, coberta de cinzas, fundiu−se com os trilhos e os dormentes. Não há mais como voltar. O esquecimento é apenas um território cujo mistério nasceu quando caiu o último letreiro de viagem com as histórias de muitas vidas.

Foto: Fernando Rozano, estação ferroviária de Rio Branco, Uruguai.

www.youtube.com/watch?v=JxPj3GAYYZ0

Música: Eric Clapton – “Tears in heaven”

2 Respostas para “Miniconto “A Estação”

    • Sempre generoso e incentivador. Dos meus textos, talvez o mais difícil de ser escrito, possui um quê de uma dolorosa realidade: o esfacelamento do transporte ferroviário brasileiro e de todo o seu romantismo e suas tantas outras histórias. Grande abraço.

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