Allen Toussaint: *1938 +2015

Allen

Partir é um verbo doloroso. Quase sempre. E quando a partida é assim, feita pelo de repente que todos nós sabemos um dia será realidade, a dor se abre como uma ferida cuja cicatriz talvez o futuro não cure. Allen Toussaint partiu poucos dias atrás. Mais que um pianista extraordinário, um ser humano com letras maiúsculas. Dono de obra impossível de ser catalogada ou rotulada face ao talento com que os teclados amaciavam sua sensibilidade. Manteve aceso o rhythm´n´blues, o soul, o verdadeiro funk, não o que se vende por aí, estreitou sua musicalidade com os mais diversos nomes ´sem diferenciar gêneros. Universal. Uma alma feita de tecidos harmônicos densos, e cuja intensidade a pele arrepia a cada acorde. Pete Townshend, Paul McCartney, Rolling Stones, Albert King, Dr. John, Eric Clapton. Quem mais? Um disco genial com Elvis Costello: The River in Reverse. Sua percepção para além das intricadas harmonias o tornaram um compositor, cantor, arranjador, produtor único. Daqueles que está à frente sempre. Allen partiu. Levou junto parte expressiva de New Orleans. Mas, a cidade e sua gente, como todos nós, estaremos reverenciando o talento de Toussaint toda a vez que o seu piano cobrir cada espaço que existe dentro de nossa alma.

Buddy Guy: Born to play guitar

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Se você começar uma lista de bluesmen ela deverá ter como primeiro nome BB King. Depois, vem uma gama de guitarristas de primeira: Howlin´ Wolf, John Lee Hooker, Muddy Waters, Robert Johnson, Stevie Ray Vaughan, para ficar apenas com esses. Claro, os mais novos: Jimmy Page, Eric Clapton, John Mayall – talvez o mais velho de todos -, Keith Richards – os melhores discos dos Rolling Stones são os primeiros, com pegada blues -, Johnny Winter e outros mais. E, não, não ficou esquecido: Buddy Guy, que pertence a primeira lista lá de cima. O genial Buddy Guy. para não deixar o tempo muito mais distante, afinal ele passa com rapidez absurda, ele chega com Born to play Guitar. Não é um disco renovador, não traz novos ares, não contém excessos, não há viagens sonoras tampouco avança qualquer sinal nas tessituras do blues. É um trabalho onde as cordas de sua guitarra alternam o suave com o um pouco mais veloz nas melodias. Mantém o ritmo aceso como todo bluesman faz e reverencia sua guitarra. A doçura com que as faixas vão passando reserva a alguns convidados momentos sublimes. Ficam dois desses registros como referência: Joss Stone e o bardo irlandês Van Morrison, outro que possui uma alma blues. É com Morrison que a emoção atinge seu ponto mais alto, em canção que homenageia o mestre BB King. E com a musa Joss, um dueto singelo e repleto de nuances entre o tocar as cordas e voz da cantora. É um Buddy Guy em forma, bom para se ouvir e mostra bem porque nasceu para a guitarra.

The Band: The Last Waltz

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Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson, Richard Manuel e Robbie Robertson: The Band. Paul Butterfield, Bobby Charles, Eric Clapton, Neil Diamond, Bob Dylan, Ronnie Hawkins, Dr. John, Joni Mitchell, Van Morrison, Ringo Starr, Ron Wood, Neil Young, Muddy Waters, Jim Gordon, Emmylou Harris e The Staples: The Last Waltz. A despedida de uma banda que captou, ao acompanhar o bardo Dylan em muitos trabalhos, a essência de uma época. Possuía vida para muito além de Mr. Zimermann, Um grupo de músicos que deixariam os palcos para apenas gravar discos em estúdio. Fez-se o concerto. 1976. E o que era apenas uma reunião de adeus com dois convidados transformou-se em uma celebração. Martin Scorsese filmou. Levou-o às telas. Ainda que muitos integrantes do Band não tenham gostado, The Last Waltz é uma referência em filmagens de bandas de rock. Discos foram lançados. Entre eles, esse cuja capa está reproduzida acima. Não há muito o que dizer. Basta ler a lista de músicos e ouvir. Momentos inesquecíveis habitarão a sua memória musical afetiva.

Rui Veloso: Concerto Acústico

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Às vezes, o acaso ou a sorte ou o nome que possa dar ao que acontece, colhe frutos maduros em árvore que nossos olhos veem e ao mesmo tempo não olham. Conhecia desde tempos o Rui Veloso. Todavia, o parar e ouvi-lo com atenção ainda não estava como o fruto da árvore. Então, com Crosby, Stills & Nash ao fundo, pesquisa pelo youtube algumas músicas de Lizz Wright, em especial “To Love Somebody”, que tem a assinatura dos Bee Gees – essa canção já foi interpretada por Janis Joplin, Nina Simone, Rod Stewart, entre tantos – quando ao lado direito da tela estava Rui Veloso – O Concerto Acústico. Desliguei o CS&N, saí da canção de Miss Wright e abri o concerto do Rui. E então um feixe imenso de histórias e vida se uniram em harmonias e letras – verdadeiras poesias – que transformaram o dia em pura musicalidade. O cantor, compositor e instrumentista português é um desses talentos que a gente quando ouve uma música não quer deixar para depois as demais do concerto. Ele, tão próximo às influências do blues e do rock de BB King e Eric Clapton; ele, que desde criança já andava com a harmônica pela casa, e se insinuou pelo violão, pela guitarra e pelo piano e esteve no palco com Carlos Santana e Roger Waters; ele, que tem o poeta Carlos Tê como letrista inspirado e profundo; ele simplesmente fez um acústico fantástico e de uma sensibilidade aguda a atingir todos os poros de quem o ouve. As guitarras compondo um universo de harmonias com sua voz e deslizando pelas letras cantadas e o tempo se desfazendo a cada canção e logo a seguir se erguendo com os alicerces de suas próprias tessituras. Um disco para se guardar ao alcance das mãos e ir direto para o player. Abaixo, na íntegra.

Eric Clapton Guitar Festival: Crossroads

Crossroads

O nome Eric Clapton dispensa toda e qualquer apresentação. Tem vida própria, fala por si ao natural.  está presente na História da música assim como está presente em festivais e shows de grande relevância social. Crossroads está inserido em sua vida. Desde 1999 reúne os maiores e melhores guitarristas do mundo em torno do Centro de Tratamento de Drogas. Um trabalho admirável acolhido pelos instrumentistas e músicos de todos os estilos, técnicas e gêneros. No palco, que pode ser Madison Square Garden ou o Toyota Park, por exemplo, eles se revezam em atuações assombrosas e desfilam uma integração não apenas musical. Há um elo que os une, além do show beneficente, que uma textura de harmonias e melodias irresistíveis para que ouve cada uma delas. Nomes como JJ Cale, BB King, Zakir Hussain, Steve Vai, John Mayer, Joe Walsh, Jonnhny Winter, Robert Cray, Keith Richards, ZZ Top, John McLaughlin, Carlos Santana, Albert Lee, Bo Dyddley, Vince Gil, Buddy Guy, Jeff Beck, Willie Nelson, Los Lobos, Andy Fairweather Low, Taj Mahal e uma infinidade de outros tantos abraçam o show, o público, a causa e cada canção é algo extraordinário de ouvir com devoção. São artistas que assumem-se como pessoas. E o talento e a sensibilidade ultrapassam todos os limites e fronteiras e todos nós somos presenteados com performances inesquecíveis.

Sting: Nothing Like the Sun

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Sting, ao sair do The Police, tem sido produtivo e desenvolvido sua criatividade em fases bem definidas. Nem sempre o resultado alcança todas as estrelas possíveis, mas deixa marcas. Nothing Like the Sun é um álbum curioso. Não nos gêneros em que flerta de forma explícita – jazz e rock – mas pela repercussão. Lembro de ter lido em alguma revista, o nome perdeu-se há muito em minha memória, de encontra-lo em um lista dos piores discos de todos os tempos. E olha que na relação estava trabalho dos Beatles. No entanto, como tenho lá minhas reservas quanto a listas, ainda mais de melhores ou piores, eu sempre gostei desse Sting despojado. E em particular esse tem o crivo da sua participação pelas América do Sul com a Anistia Internacional e momentos confessionais, em função da partida de sua mãe. Um trabalho emotivo, para dentro. E também que coloca as coisas em lugares, como em “They dance alone”, em função à época ainda os reflexos da ditadura chilena de Augusto Pinochet. E as composições ganham muitas conotações a partir de seu sentimento interior e os acompanhamentos atestam o quanto Sting acerta em Nothing. Algumas músicas, como “Fragile” foram também, não neste disco, cantadas em língua portuguesa ou em espanhol. Nomes como Mark Knopfler, Eric Clapton, Ruben Blades, Dil Evans, Manu Katché, Branford Marsalis, Mark Egan, Andy Summers e outros mais asseguram a qualidade e o peso das canções. Sério, comprometido, afetivo e consciente, Sting produziu uma obra sensível e próxima da realidade de então.

Eric Clapton & Steve Winwood: Live From Madison Square Garden

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Ambos são amigos de longa data. Sempre estiveram um no caminho do outro e o percorreram juntos algumas vezes. Buscar o passado deles é como jogar água na chuva. Não é necessário, basta lembrar que estiveram no Blind Faith e tudo fica mais claro. Sem chuva, claro. E muito sol. Final da primeira dédada dos anos 2000 se reuniram no Madison Square Garden e realizaram show que se transformou em registro ao vivo. 21 canções que vasculham suas carreiras, suas influências, as bandas em que tocaram – Cream, Traffic, por exemplo -, trabalhos solos, blues, JJ Cale, Buddy Miles, Otis Rush, Jimi Hendrix. É pouco? Nem pensar. Os clássicos como “Cocaine”, “Glad”, “Little Wing”, “Voodoo Chile” e “Presence of the Lord” parecem ter saído do forno criativo de ambos hoje. O que pode, em um primeiro momento, soar pesado aos ouvidos na verdade chega com suavidade e intensa entrega de Clapton e Winwood. O clássico dos clássicos “Georgia on my mind” desliza no player com emoção. Justa homenagem a Ray Charles. A alquimia entre os velhos amigos se mantém intacta. A banda de apoio é magnética e sustenta com talento o virtuosismo da guitarra e do piano de Eric e Steve. está certo, não um disco que você vai ouvir a todos instante. Não é necessário. Basta tê-lo e de repente lá está ele no seu player. E você se deixando levar por dois dos maiores músicos de todos os tempos com a tranquila sonoridade que já é história. Pode ser também a sua história.

The Concert for Bangladesh

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Agosto de 1971. O tempo não parou. O que motivou o ex-beatle George Harrison e Ravi Shankar a reunirem milhares de pessoas em dois dias no Madison Square Garden, em Nova York, continua atual. Pior, continuamos iguais. Se lá no início dos setenta os shows foram organizados para aumentar os esforços internacionais de sensibilização e de alívio aos fundos para os refugiados do Paquistão Oriental (hoje Bangladesh ), na sequência da Guerra da Libertação de Bangladesh, muito relacionado com o genocídio praticado então, os noticiários dos dias de hoje não nos distancia dessas razões. O poço em que a humanidade entrou não tem fim. Suas consequências, alimentadas ano após ano, chega a um momento de esgotamento da capacidade de reconstituição dos valores humanos. Falta de esperança? Desânimo? Não. Apenas a triste e discernida consciência de que caminhamos para o caos dos caos, onde os tecidos da sociedade se desfazem seja por um bombardeio, seja pela intolerância, seja pela corrupção, seja pelo preconceito, seja pela impunidade, seja por um lista infindável de situações que nos aprisionam dentro de nós mesmos. O exemplo de Harrison contou com uma “pequena ajuda dos amigos” Ringo Starr, Eric Clapton, Bog Dylan, Leon Russell, Billy Preston, Badfinger, Jim Keltner, Klaus Voormann e Jesse Ed Davis entre vários outros. Assisto o documentário. Escuto o disco. A parte deste todo que é a humanidade precisa parar, voltar um pouco para dentro e então buscar respostas mais contundentes e sérias para a crise de …falta de humanidade que vivemos. Continuo com a ingenuidade da utopia a guiar meus passos. Acreditar que é possível mais que um objetivo é uma razão para viver. Concertos como o realizado por George Harrison apontam, simbolicamente, este caminho. Em 2015, falta apenas o primeiro passo.

Buddy Guy & Junior Wells Play The Blues

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Hoje, o calendário marca o Dia Mundial do Meio Ambiente. Não apenas dia para uma reflexão maior e mais profunda e mais intensa sobre o meio ambiente em que vivemos, mas, e sobretudo, sobre o ambiente que vivemos ou que fazemos em nossas vidas. Hoje, repletas de intolerância, de radicalismos, de ódios, de massacres, de violências de todas as espécies, de falta de um olhar mais sensível à vida e ao presente que será o amanhã daqui a pouco. E não há calendário que possa determinar um único dia se não que sejam todos os dias motivo de aprofundamento em nossas relações com meio ambiente e com todas as gentes do mundo inteiro em busca incessante pela paz, pela harmonia, pela tolerância, pelo respeito às diferenças, pela própria humanidade. E o blues reflete um estado de espírito. Reflete a alma. Reflete tal como o espelho o nosso lado inverso. Para dentro. Poderia ser o jazz, o rock, o folk, qualquer outro gênero. Todos refletem a alma. Todos são almas. A escolha de Buddy Guy e Junior Wells nasceu ao natural. Como o espelho a refletir a sonoridade para dentro, e ao contrário de ser o lado inverso, tece o lado mais denso das peles dos artistas e de quem os escuta. Play The Blues reza a lenda começou em 1970 bastante complicado, com confusões, participação de Eric Clapton, teria brigado com os produtores, abriram shows do Rolling Stones, não completaram o álbum, atravessaram dois anos para concluí-lo e então já com a presença de J. Geils Band. Na verdade, em meio a tanta confusão, Clapton concluiu tão somente oito faixas, que em 72 J. Geils finalizou o que faltava. E o resultado? Um disco poderoso, uma lição de como se toca blues e as razões dos porquês influenciaram instrumentistas como Jimmy Page e Jack White, por exemplo. Apenas  um pequeno revival: foi assistindo e escutando Buddy Guy que Eric formou o power trio Cream, com Jack Bruce e Ginger Baker. O disco é uma celebração entre a guitarra de Guy e a harmônica de Wells. Incendeia a quem penetra fundo nesse universo sonoro. É um trabalho orgânico, para dentro, que explode, no seu melhor sentido, para fora. De alguma forma, são almas expostas ao público. Revelam suas fragilidades mas as superam com garra e coração. Com talento e sentimento. Com vontade. Criam um ambiente em que a sensibilidade aflora e transcende. Um disco para todo o sempre. E para nossa reflexão e ação por uma vida mais humana.