Turfe: vitórias e derrotas, a história continua nas pistas de corrida

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O tempo é como uma corrida de cavalos. Está sempre presente. Correndo. A saudade percorre outros caminhos. Não fica apenas na marca do calendário da memória. Instala-se em nossa alma e nela faz morada para todo o sempre. Anda de mãos com tudo o que sentimos e vivemos e a cada dia cresce e acompanha as estações com a delicadeza desse viver. Hoje, 26, mais um mês da partida do pai. Mais um mês que avança e mais um mês em que a saudade cresce. Sem fim.

Rio Grande 1

O calendário do turfe do interior do Rio Grande do Sul foi marcado por grandes disputas. Em especial, dois hipódromos acolhiam no primeiro semestre do ano dois grandes prêmios que rivalizavam em importância aos disputados na capital. Rio Grande, hoje apenas na lembrança, recebia na Vila São Miguel no verão para o GP Cidade de Rio Grande (foto acima). Algum tempo depois, Pelotas, na Tablada – até os dias de hoje – o GP Princesa do Sul. O público tomava conta dos hipódromos, as cidades paravam, e não se falava de outra coisa. Grêmio e Internacional nesses dias eram apenas dois clubes de futebol caseiros, o que somente mudaria a partir da segunda metade da década de setenta.

Rio Grande 3

No verão de 1960, Lord Chanel e Mário Rossano não tomaram conhecimento do potro promissor Saitan, do favorito, Guindo e do veterano e raçudo Arizu. Vitória maiúscula. Vitória que não deixou nenhuma dúvida aos presentes a Vila São Miguel tomada de turfistas e apreciadores de corridas. E credenciado por essa vitória, partiu para o GP Princesa do Sul. Na condição de favorito, o tordilho passeou pela pista da Tablada. Os 3.000 metros estavam sendo rigorosamente cumpridos com a valentia e a força que o filho de Lord Antibes sempre exibiu em suas apresentações. Ao jóquei, o trabalho de leva-lo a linha de chegada. Corridas de cavalos, no entanto, não são uma ciência exata. Em uma prova, não importa a distância a ser percorrida, tudo pode acontecer. E naquele dia, ao virar a curva final, a 400 metros de chegar em primeiro, Lord Chanel e Rossano foram surpreendidos por um uruguaio cuja campanha até então não era nada animadora. Componente, sob a condução do também uruguaio, Luis Perez, trouxe o filho de Enterprise em Scala, em fulminante atropelada e alcançou o tordilho nos metros finais e cruzou o disco como vitorioso.

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Nas fotos acima, o final da prova, Componente ultrapassando Lord Chanel (mais acima), e a acolhida ao vencedor pelos proprietários e público (acima). A partir desse dia, nasceu o folclore do Grande Prêmio. O que se ouvia falar era simples: Rossano havia já tirado o boné, sentindo-se vencedor tamanha era distância que possuía em relação aos demais. Rossano relaxou e deixou Lord Chanel galopar sem fazê-lo correr até o final. Enfim, as histórias foram sendo criadas em torno da derrota muito mais que a vitória espetacular do conduzido por Luis Perez, o que foi e ainda continua sendo uma injustiça com quem venceu. O pai sempre contou que jamais, em momento algum, tirou o boné ou relaxou. Componente venceu porque estava melhor naquele dia e na distância dos três quilômetros. “Se disputássemos dez corridas, venceria nove. A única que poderia perder, perdi”, me disse em nossa conversa em 2011. A história, entretanto, às vezes escolhe o folclore como verdade absoluta. Assim, o Princesa de 1960 tem essa marca eterna.

O testemunho de quem esteve lá:

Rio Grande 2

Acompanhávamos o pai em suas idas ao interior disputar os grandes prêmios. Passávamos o verão no Cassino, em Rio Grande, e depois íamos para Pelotas. Período de férias escolares, na verdade éramos do jardim de infância, e minha irmã ainda sequer frequentava-o. 1960. Meus pais, meus irmãos e meus avós maternos, a família do pai é de Rio Grande, aproveitavam esses meses para encontros. E nós, pequenos, nos metíamos entre o público e assistíamos as corridas. Vibrávamos mesmo sem entender bem o que significava uma corrida de cavalos. ver o pai, o tordilho, a ferradura de flores, nos deixava felizes. Na foto acima, estou vendo o retorno do vencedor em Vila São Miguel. Único lugar onde poderia ficar em meio a adultos. Meu irmão também estava junto. E pouco acima de nós, o cunhado do pai, Dirceu Antunes, batendo palmas. Tenho presente esse momento, e olhando a foto agora, desato o nó da saudade. Mais tarde, lembro de Pelotas. tenho vivo o final da disputa, e posso assegurar com toda a inocência dos meus seis anos incompletos da época, o pai perdeu porque o vencedor foi melhor. Não vi o “Viejo” tirar o boné, ou “relaxar”. Perdeu, simplesmente. Claro, a Tablada não é assim como a foto de Rio Grande. E não estávamos junto a cerca. Com a minha mãe e meus avós, estávamos nas tribunas. No dia seguinte, no retorno para Porto Alegre, encontramos Luis Perez. Ouvi quando ele disse que estava surpreso com a própria vitória, e o pai, triste e tranquilo, disse que era da vida vencer e perder, e que de alguma maneira fizeram história. É verdade. Jamais esqueci esses momentos. E os guardo em mim com emoção.

Agradecimento especial ao meu irmão Mário pelas fotos do seu acervo, que gentilmente me enviou. E a minha irmã Ana, por também ter vivido essa história.

Turfe: a História também se conta com as derrotas

Rio Volga 1

Hoje, dia 26, mais um mês. Um ano e seis meses que o pai partiu. A saudade então passou a ser como uma contagem progressiva, aumenta a cada dia que passa. Mesmo quando por vezes se acomoda no leito dos pensamentos, está presente. Ergue-se sempre com a intensidade do látego quando necessário o seu uso para cruzar a linha de chegada. A vida se revela em toda a sua plenitude. Assim aprendemos a acreditar no possível e mesmo quando a mesma linha de chegada parece estar distante e não cruzar à frente. A trajetória de Mário Rossano é repleta de histórias. De muitas histórias vencedoras. E também de derrotas. Das mais inesperadas às mais prováveis. E é de uma delas, que para todo o sempre no mundo do turfe do Rio Grande do Sul, jamais será esquecida que está aqui hoje. E que o pai contava como “coisas de carreira”.

Breno Caldas era proprietário de um império da comunicação do sul: a Caldas Júnior, que editava entre outras publicações, o Correio do Povo. Também possuía um haras, o Haras do Arado. Apaixonado por cavalos de corrida, importava garanhões e fêmeas para criação e craques da tradicional blusa Rosa, ferraduras pretas, brilhavam nas pistas do velho, querido e saudoso pradinho dos Moinhos de Vento. Entre eles, um potro criado para ser exceção: Estensoro.

Estensoro Foto A

ESTENSORO – m/alazão, do RS, nascido em 22 de julho de 1955 – por ESTOC (FR) em PERFIDIA (FR), por NIÑO. 

Criação e propriedade: HARAS DO ARADO 

Estreia: 13 de abril de 1958, prova comum sobre 1200 metros – 2º para SENHORAÇO (castanho, Senhorial e Notória).

Turfe Record:

Apresentações: 14 (13 Moinhos de Vento e 1 na Gávea)

Vitórias: 12 (11 clássicas, incluindo a 2º Triplice Coroa Rio-Grandense)

Colocações: 1 (2º Moinhos de Vento)

Descolocado: 1 (14º Gávea em 2/8/59 Grande Prêmio Brasil para NARVICK).

Acima, o resumo da campanha do alazão do Arado, e na foto está seu jóquei oficial, Antônio Ricardo. Abaixo a História como aconteceu sua estreia, única derrota nas pistas gaúchas contada pelo seu proprietário e criador e a palavra do jóquei que o conduziu em sua única derrota.

No livro Breno Caldas – Meio século de Correio do Povo, depoimento a José Antônio Pinheiro Machado, L&PM Editores, 1987, reproduzimos a parte em que se refere a Estensoro:
PAqui nestas terras o senhor fez surgir um dos mais importantes campos de criação de cavalos de corrida do país, o Haras do Arado….
Breno Caldas – Eu comecei a criar cavalos em 1937…Sempre gostei de cavalos, montava quando jovem. Era cavaleiro, participava de competições hípicas. Quando vim para o Arado, construí cocheiras e resolvi começar a criar. O Haras do Arado teve alguns reprodutores de muita qualidade: Dark Warrior, ganhador do Derby Irlandês, pai do Ouroduplo e de outros ganhadores clássicos; Estoc, cavalo francês, invicto na Inglaterra, pai de craques como Estensoro, Estupenda e outros – o Estoc só deu bons cavalos: Elpenor, ganhador da taça de Ascot, pai de muitos cavalos clássicos, como a Corejada, o El Trovador (ganhador do Derby Carioca), o El Centauro (2º lugar do GP Brasil e no GP São Paulo) …
PO Estensoro foi o melhor de todos os cavalos que o senhor criou
Breno Caldas – Sem dúvida. O Estensoro, aqui, no tempo do prado do Moinhos de Vento e depois, no Cristal, onde ele chegou a correr, ganhou todas as provas possíveis, incluindo o GP Bento Gonçalves, o GP Protetora do Turfe, e foi Tríplice Coroado gaúcho. O Estensoro era filho de Estoc, um cavalo criado pelo Marcel Boussac – um dos mais importantes criadores do mundo – que eu importei da França na década de 50. Foi o melhor reprodutor que eu tive, uma verdadeira loteria que eu aceitei ao escolhê-lo entre vários outros. O Estoc tinha um problema de bambeira e produziu muito pouco, teve apenas treze filhos, mas todos ótimos cavalos, ganhadores clássicos. nenhum matungo. Além do Estensoro, o Estoc produziu outros muito bons: Estandarte, Ângela, Estrôncio…
P – O Estensoro só perdeu na estreia, ainda no prado dos Moinhos de Vento, para um cavalo chamado Senhoraço
Breno Caldas – …exato. Naquele dia, o jóquei oficial da nossa cocheira, o Antônio Ricardo, estava suspenso, e um outro jóquei, Mario Rossano, montou o Estensoro. Eu sempre proibi os jóqueis de baterem nos meus cavalos, especialmente nos potrinhos mais novos. Na largada, o Rossano deu um laçaço no Estensoro e ele, que não estava acostumado a apanhar, estranhou e ficou parado na partida. O páreo era em 1.100 metros e quando o Estensoro largou, os outros já iam uns 50 metros na frente. Saiu atrás e foi indo, foi indo, recuperando terreno e quase ganhou: acabou perdendo por focinho. Depois dessa estreia azarada, o Estensoro não perdeu mais aqui no Rio Grande do Sul. Quando ele foi para o Rio disputar o GP Brasil em 1959, um outro cavalo daqui, Lord Chanel, começou a ganhar todos os clássicos e houve quem dissesse que ele era melhor que Estensoro. Aí mandei o Estensoro de volta do Rio para cá, para disputar o GP Bento Gonçalves. Não deu outra: o Estensoro venceu em tempo recorde, deixando longe o coitado do Lord Chanel, que fez tanto esforço para acompanhá-lo que teve hemorragia…
Mário Rossano –  “Montei Estensoro, que perdeu comigo na estreia, mas foi estreia, mais tarde o doutor Breno Caldas escreveu que perdi porque bati no cavalo. Não bati, se tivesse batido ele teria vencido. Ficou essa marca de ter vencido todas as provas menos a que foi dirigido por mim. ” (Em depoimento realizado quando dos seus oitenta anos de vida, para o livro Dá-lhe Rossano, 2011, editado por Mário Rozano, e que por ter ficado longo não foi publicado. Está na íntegra, tal como foi degravado, sem as devidas correções para preservar o original, neste site.)
Estensoro nunca correu contra Lord Chanel, que foi monta oficial do Rossano em vários GPs, inclusive vencendo duas vezes o GP Protetora do Turfe, já no Hipódromo do Cristal, e o GP Bento Gonçalves de 1961, o  qual foi desclassificado em decisão polêmica e injusta da então Comissão de Corridas em favor de Argonaço.
Estensoro nunca disputou uma prova no Hipódromo do Cristal, tendo feito apenas um “passeio” de despedida das pistas, levantando os pavilhões do prado, sob a monta de Clóvis Dutra.
Mário Rossano montou e venceu provas clássicas com vários cavalos do Haras do Arado, entre eles Estupenda e Ângela.
Breno Caldas se equivocou em vários detalhes do seu depoimento, como a distância da prova de estreia de Estensoro que foi em 1.200 metros e não em 1.100 como afirmou, entre outras observações feitas a Lord Chanel.
Conversamos várias vezes sobre esta corrida. Antes o pai ficava chateado, triste, mas bem mais próximo de ele cruzar a sua linha de chegada já sorria. Um dia me disse que perder fazia parte e que não significava que tudo estava acabado. “Afinal – disse – todos os dias amanhece e tudo recomeça outra vez, inclusive as vitórias.”
Bento 1958 1º Estensoro 2º Dark Sauce
Na foto acima, o único GP Bento Gonçalves vencido por Estensoro, em 1958, o último disputado no Moinhos de Vento, secundado por outro dos craques do Haras do Arado, Dark Sauce, sob a monta de Mário Rossano, com a blusa preta, ferraduras rosa.
Agradecimento especial ao meu irmão Mário Rozano, que preserva como ninguém a memória do nosso pai.

Turfe: GP Protetora do Turfe 1957 – 1960: Moinhos de Vento e Cristal

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Hoje, um ano e quatro meses da partida do meu pai. Olho a foto acima, ele vencendo uma corrida com Simbólica no saudoso pradinho dos Moinhos de Vento e os redemoinhos da saudade chegam com força, abatendo o ânimo e desarmando a vontade do dia que começa no infinito do azul. A proximidade com setembro e o dia sete, logo chega com o segundo maior Grande Prêmio disputado no Rio Grande do Sul em pista de areia, o Protetora do Turfe. A história registra que tudo começou como Prado independência em 1894 para em 1907 ser denominado Associação Protetora do Turfe e mais tarde, dezembro de 1944 ser em definitivo Jockey Club do RS. Na realidade, o GP com o mesmo nome somente nasceu em 1922 e ainda assim com o nome de GP Centenário da Independência e era disputado na distância de 2.400 metros, depois se fixando em 2.200 metros até os dias de hoje.

50 anos GPPT

A vida de Mário Rossano e os cavalos de corrida são uma vida onde as linhas do tempo, quando se encontram, constroem outras linhas e vidas. Desde a vinda da sua portuária Rio Grande para Porto Alegre, do Hipódromo de Vila São Miguel para o carismático Moinhos de Vento, essas linhas se cruzaram com outra vida: o Hipódromo do Cristal. A História traz o romantismo dos anos 40, 50 e 60 em uma capital gaúcha ainda provinciana com ares de cosmopolita. Traz o quanto o jóquei Mário Rossano faz parte dessa história e o quanto sua ligação, não apenas com a cidade, com o Jockey Club do Rio Grande do Sul é também infinita. Não se resume a vencer a prova inaugural do novíssimo então prado do Cristal no já distante novembro de 1959, com um cavalo castanho que aos seis anos ainda não havia sido apresentado à vitória.

Dois anos antes, em 7 de setembro de 1957, a chuva impiedosa que caia não impediu que o então jovem freio levasse Dálmata a vencer o G.P. protetora do Turfe no ano em que a entidade completava seu cinquentenário. Um feito que as reproduções abaixo, incluindo a transcrição da prova, a tornam inesquecível e mostrava, mais uma vez, o talento de um piloto que quebrava a fama de ser apenas um jóquei que sabia correr como ponteiro.

Dalmata 1     Dalmata 2

Dalmata 3Dalmata 4

A História não poupou o rio-grandinho. A ida para o Cristal teve o carimbo da estreia do hipódromo e Duelo cruzar o disco em primeiro sob a sua monta. E ao passar o ano, encontrar mais uma vez o 7 de setembro, agora em 1960. Lord Chanel, um tordilho clássico e valente, rápido, teve em Mário Rossano seu jóquei no 1º GP Protetora do Turfe a ser disputado nas areias do Cristal. resultado: vitória. Feito que se repetiu em 1961.

Lord Chanel

A relação que existe entre Mário Rossano, Moinhos de Vento e Cristal é única. Indissociável. Hoje, ao olhar o material desses anos todos, o coração acelera, os olhos desaguam e as mão tremem. Nesta História, o lugar do Rossano, como era chamado pelos turfistas, está escrito e eternizado.

Reproduções: Jockey Club, Histórias de Porto Alegre – 2005 – Org. Mario Rozano e Ricardo Franco da Fonseca. Dá-lhe Rossano! – 2011 – Org. Mario Rozano.

Turfe: Das cocheiras do Stud Mário Rossano: Mário Rossano e Irineo Leguisamo

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Hoje, mais um mês no ano completado desde a partida do meu pai. E, mais uma pequena passagem de sua vida como jóquei aqui.

Irineo Leguisamo foi um dos maiores, para muitos o maior, jóquei da América do Sul. Nascido no Uruguai, foi muito cedo para as pistas de Palermo, em Buenos Aires. Antes, o filho de Salto, onde iniciou sua carreira, montou cavalos no “prado” de Uruguaiana, em fins da década de 1910. Logo depois, cumpriu ainda jovem o percurso dos “prados” do interior uruguaio para chegar à Argentina já nos anos vinte e em 22 conquistar sua primeira vitória no tradicional hipódromo. Amigo de Carlos Gardel, que fez tango em sua homenagem, venceu todos os maiores grandes prêmios do continente. Até encerrar sua atividade aos setenta anos. Um exemplo e um mestre. Em novembro de 1962 esteve em Porto Alegre. Veio montar Vizcaíno na maior prova na pista de areia do Brasil, o GP Bento Gonçalves no Hipódromo do Cristal no Rio Grande do Sul. Venceu. Nos dias que antecederam a corrida, Mário Rossano e Irineo Leguisamo tornaram-se amigos. A imprensa local registrou.

Legui e Rossano

“Rossano e Legui tornaram-se grandes amigos. O jóquei local diz que inclusive mandará um presente ao jóquei uruguaio, em sua opinião um “fenômeno”. Mário Rossano foi cumprimentado por Irineo Leguisamo após sua vitória com Mar Báltico. “Foi precisa sua direção”, comentou El Maestro, que fez grande amizade com profissionais locais. Rossano comentava ontem que o temperamento jovial de Lequisamo surpreendeu a todos, inclusive distribuindo alguns “talaços amistosos”, mas um pouco fortes, em todos que passavam à sua frente, disse Mário Rossano. O jóquei rio-grandinho prometeu inclusive enviar uma barbatana ao piloto oriental.” Última Hora, 13 de novembro de 1962.

A sequência da página do livro Dá-lhe Rossano traz pequena nota, com fotografia, do Turf no Sul, da vitória elogiada por Leguisamo. 1962….o tempo corre demasiado em relação às minhas lembranças. Nem o mais veloz dos puro-sangues pode alcançar esse ano dentro de mim. O pai falava muito desse encontro, o fez um homem feliz. Perto de sua partida, conversamos sobre a amizade entre eles e perguntei se havia mandado o presente. A resposta foi típica do “Viejo” Rossano”: “Mas, é claro.” Lembro de Mar Báltico, o esperei em uma de suas vitórias, mas não lembro de Leguisamo em Porto Alegre. Ou apenas é uma passagem que vai se apagando em minha cansada memória. 1962! Eu era apenas um narrador de corridas de bolinhas de gude debaixo da mesa em nossa casa.

O José Alberto Souza é um grande amigo. Um memorialista (http://poetadasaguasdoces.blogspot.com). Sempre vem com alguma surpresa. Desta vez, me enviou um e-mail com esse tango da Ucrânia anexado, perguntando: “O que diria o velho Mário?”. Posso te dizer, José Alberto, ele escutaria, diria que não é Gardel, mas celebraria com uma taça de tinto, abrindo o seu sorriso, como se estivesse cruzando mais uma vez a linha de chegada de uma corrida.

Matéria do livro Dá-lhe Rossano – 25 anos sobre as patas dos cavalos, editado por Mário Rozano.

Um dia de cada vez

Um ano atrás, 26 de abril de 2014, Mário Rossano, meu pai, cruzou em definitivo a linha de chegada de sua vida entre nós. Desde então, como há onze anos, quando a minha mãe partiu, os dias têm sido contados um a um. Vividos um a um, um de cada vez. Com a mesma intensidade com que ensinaram os dois aos meus irmãos e a mim que deveríamos viver. Tenho buscado na Literatura, na palavra os esconderijos que possam aliviar a saudade, a dor, a ausência, as vozes que já não ouço mais. Tenho buscado nas ruas das cidades, nos movimentos das pessoas, nos cafés e nas músicas o encanto de cada um desses dias que me cabem ainda viver. E assim, a cada dia, um de cada vez, a vida vai se transformando, se tornando muitas vezes áspera, muitas outras doce, como eles dois gostariam que fossem esses dias todos. Gostavam de tango. De Carlos Gardel. Das coisas simples. Do correr das horas de cada um dos dias que viviam entre nós. A mãe se despediu mais cedo. O pai ficou mais tempo por aqui. Abraçou os dias, esses dias todos, como estivesse abraçando a nós. E assim seguiu sua corrida. Era imbatível quando tomada a ponta. Mas também sabia como ninguém correr como fundista. Venceu porque tentou. Ensinou que o verdadeiro vencedor nem sempre é o que cruza a linha de chegada em primeiro. É aquele que tenta. Que luta com toda a sua força para chegar. O pai chegou. Soube conduzir seu cavalo até o disco de sentença com a gana que trouxe da sua Rio Grande desde menino em meio aos grandes de um época em que os Moinhos de Vento acolhia os maiores daqueles anos quarenta. A palavra, que agora corre pela tela impulsionada pelas teclas, é tão pequena e pouca, tão escassa que tudo que posso dizer e que me habita, é que a lembrança é o meu presente nesses dias. Um dia de cada vez, pai, e sempre juntos.

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A partir de todos os dias 26 de cada mês estará esta foto acima com o Das cocheiras do Stud Mário Rossano. Uma história, uma passagem de sua vida, suas vitórias, suas derrotas, seus ensinamentos, seus ídolos, o seu protagonismo nos hipódromos, a nossa história. Meus irmãos e eu queremos que a memória do pai seja semeada a cada dia, um dia de cada vez. Sempre, como exemplo e como estímulo para os dias que ainda estão por chegar.

O pai veio para cá em 1947, aos quinze anos de idade, como aprendiz e cavalariço na cocheiras do antigo e saudoso hipódromo dos Moinhos de Vento. Veio de uma praça tradicional do turfe, Rio Grande e sua Vila São Miguel, hoje apenas lembrança. Apenas um pavilhão tombado resiste ao tempo e à memória. É daquele ano de 47 que estão reproduzidas a capa do catálogo daquele calendário de corridas do Jockey Club do Rio Grande do Sul, com a página de sua primeira vitória conquistada em Porto Alegre. Com quinze anos derrotou por diferença de meia cabeça os maiores jóqueis de então. hoje, primeiro ano de sua partida, fica aqui o registro deste momento que para nós é a nossa história de vida. E saudade.

Pai Prado O                     Joanita 1   Pai Prado 3

Reprodução: Acervo Mário Rozano.

Seabiscuit, uma lenda americana

seabiscuit filme

Minha vida toda é ligada ao turfe. Ainda que o DNA esteja muito mais em meu irmão – http://wwww.mariorozanodeturfeumpouco.blogspot.com – vivi muito entre corridas de cavalos, treinamentos, jóqueis, treinadores, proprietários, criadores. Conheci muito, aprendi pouco, verdade que o pai acho que nunca assimilou bem. Acho. Então, é natural que filmes e livros e mesmos discos, há muitos tangos cujo tema é corrida de cavalos – “Por uma cabeza” é um clássico de Gardel – acabem entrando em meu roteiro. Seabiscuit é um desses filmes. Da safra de 2003, traz a história do pequeno cavalo que se tronou o maior ídolo da América do Norte em tempos de Depressão. Com roteiro baseado no livro de Laura Hillenbrand, por certo o longa dirigido por Gary Ross passa muito longe das páginas escritas pela autora. Na linguagem turfística, ficou a vários corpos de distância do livro. Mas, são linguagens diferentes, leituras diferentes, abordagens diferentes e a adaptação é livre. O filme foca mais o aspecto emocional do espectador convidando-o a ser mais um dos ávidos torcedores de Seabiscuit e suas façanhas e dos dramas vividos pelo jóquei Red Pollard, na pele de Tobey Maguire. Está aí um ponto interessante da narrativa, pois ainda que emotivo lança alicerces para valores como a persistência, o desprendimento e a determinação. Há personagens românticos, como o treinador Tom Smith, com desempenho maiúsculo de Chris Cooper, pessoa completamente deslocada do meio e com suas convicções atinge vitórias memoráveis com o pequeno craque. Há o inigualável William H. Macy como o radialista de turfe Tick Tock McGlaughlin, cuja graça e sarcasmo envolvem a todos. O proprietário de Seabiscuit é Charles Howard (Jeff Bridges) que também aparece quase de forma romântica, sofrida pela perda de um filho, real, e recomeço de sua vida. Em síntese o filme gira em torno do valente cavalo que desafiou o maior dos cavalos da época War Admiral e venceu. Em pleno anos da década de trinta, o desafio foi em 38, a película pouco tem como tema as condições em que viviam os jóqueis, ou mesmo como estava a situação econômica do país nos anos de Depressão.

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O alentado livro de Laura Hillenbrand ao longo de suas mais de 460 páginas é um verdadeiro painel daqueles tempos e penetra de forma profunda na alma das pessoas. Nem tudo ou nada era romântico como no filme. Para se ter uma pequena ideia, em determinada ano os jóqueis se reuniram e pediram mudanças para poderem montar os cavalos com mais segurança pois a cada dia de reunião turfística havia dois ou três mortos por quedas dos cavalos. Depois de algum tempo conquistam uma “grande vitória”: o uso de capacete para proteger a cabeça. Detalhe: o capacete era feito de papelão. Essa passagem e outras mais estão bem descritas no volume e vale a leitura. Um não invalida o outro. São linguagens distintas e por isso o valor de ambos para a Cultura. Abaixo o trailer e a corrida original. Vale por tudo, pelas multidões mobilizada em tempos de crise, pela gana em vencer, pela raça de um pequeno corredor em insistir sempre sem desistir e pela beleza é ver cavalos de corrida, os jóqueis com suas blusas coloridas despertarem paixões e admiradores. Um bom filme, um extraordinário livro.



Em Buenos Aires, hoje, o GP Carlos Pellegrini: acompanhe

RATIFICADOS JORNADA INTERNACIONAL 
CARLOS PELLEGRINI

 
O maior dos grandes prêmios de corridas de cavalos será realizado hoje na pista de grama de San Isidro. Os programas das principais provas estão acima. E você poderá acompanhar ao vivo de acordo com a nota abaixo:
 
 HIPÓDROMO DE SAN ISIDRO INFORMACIÓN DE PRENSA 

El Hipódromo de San Isidro informa que hoy, desde las 11AM podrán disfrutar de una Transmisión en VIVO desde el Centro de Entrenamiento del HSI, con la mejor previa de la Jornada Internacional 2014.

La emisión incluirá versiones históricas del Gran Premio Internacional Carlos Pellegrini como así también entrevistas con los protagonistas de la máxima fiesta del turf Sudamericano.

Notas, información de último momento, declaraciones y mucho más en una emisión en directo sin precedentes.

El evento se podrá ver en la página WEB del HSI y estará disponible -en directo- en www.hipodromosanisidro.com.ar

 

Pablo C. Carrizo

Jefe de Prensa y Comunicación – Hipódromo de San Isidro

 

Os turfistas que aqui chegarem ou os que gostam de corridas de cavalos poderão acompanhar os grandes prêmios da reunião de hoje e também ter acesso ao material que será produzido por Mário Rozano no http://www.mariorozanodeturfeumpouco.blogspot.com, por Marcelo Fébula e Gustavo Lopecito López no http://www.lospingos.com.ar, com  Pablo F. Gallo na Revista Todo a Ganador, e Marco Oliveira no Jornal do Turfe, esse publicado mais tarde, com os comentários e reflexões sobre a grande disputa, que estão presentes no evento. Programa imperdível do turfe da América do Sul.

Seis meses de ausência dilacerante

livro-da-lhe-rossano

Hoje, quando os brasileiros estarão escolhendo o seu futuro, para qual direção seguir, e o contar das horas se tornar mais ansioso e medo e também alegria ou tristeza; hoje, 26 de outubro, são seis meses de ausência de Mario Rossano, meu pai. A dor permanece, dilacera meus nervos, estraçalha meus pensamentos, enfraquece o coração. Uma galáxia inteira de palavras não resume tampouco expressa tudo o que meus irmãos e eu estamos sentindo. Sempre, ao longo de toda a minha já longa vida, ouvi dizer que a única certeza que temos é a morte. Afirmo que não. A grande e exclusiva certeza é a dor da ausência. É saber que não vou mais escutar a voz dos nossos queridos, mãe e pai, que nos deixaram e que nos habitam no cotidiano. Mas, também é desta certeza que nos alimentamos, pois ainda que dor, sabemos que estão juntos e nós com eles assim como eles em nós. Continuamos, mãe e pai, porque vocês nos ensinaram a viver e a fazer cada partícula desse imenso universo de dias que cada um deles seja vivido com dignidade. Sentimos muito orgulho de terem sido os nossos pais.

Pai e Mar

No topo do post, reprodução da capa do livro Dá-lhe Rossano!, editado por meu irmão Mario, quando dos seus oitenta anos (foto acima, quando do seu lançamento em 2011 durante o GP Bento Gonçalves.)

300414 Primeira corrida no Cristal Mario Rossano e Duelo

Na história do Hipódromo do Cristal: vencendo com Duelo a corrida inaugural, em novembro de 1959.

300414 Ultima apresentacao publica de Mario Rossano em marco de 1970

Com Marvin, em 1970, a sua última apresentação pública.

Família Rossano
Família Rossano em entrevista à Revista do Globo, anos sessenta.

Rio Volga
Vencendo clássico com Rio Volga, no antigo e saudoso Hipódromo dos Moinhos de Vento.

Albornoz
Ainda jovem, saindo da adolescência, treinando Albornoz no Moinhos de Vento.

Fotos: Acervo pessoal de Mario Rozano.