PALAVRADOR
O papel,
antes do poema,
é um chão depois da chuva.
O idioma do grão
lavra a caligrafia do pão.
POEMA DIDÁCTICO
Já tive um país pequeno,
tão pequeno
que andava descalço dentro de mim.
Um país tão magro
que no seu firmamento
não cabia senão uma estrela menina,
tão tímida e delicada
que só por dentro brilhava.
Eu tive um país
escrito em minúscula.
Não tinha fundos
para pagar um herói.
Não tinha panos
para costurar bandeira.
Nem solenidade
para entoar um hino.
Mas tinha pão e esperança
para os viventes
e sonhos para os nascentes.
Eu tive um país pequeno,
tão pequeno,
que não cabia no mundo.
Mia Couto – Tradutor de Chuvas – Caminho outras margens, 2011
Fotos: Chronosfer. A poesia viva de Mia Couto expressa o tanto, o tudo e muitas vezes o nada que podemos sentir. Não fiz a tradução dos poemas em respeito ao autor, poderia não reproduzir com exatidão suas palavras. É um alento para 2018 que chega e o que deixo para todos os que aqui habitam a casa, por aqui passam, deixam de ficar aqui, mas que estarão sempre presentes. A paz seja com todos a cada dia dos dias que nos cabem viver.
The living poetry of Mia Couto expresses both the everything and often the nothingness that we can feel. I did not translate the poems in respect of the author, I could not reproduce their words exactly. It is a breath to 2018 that arrives and what I leave to all who inhabit the house, here pass, do not stay here, but will always be present. Peace be with each and every day of the days that we live.